Braintree – St. Albans

Ainda o sol não tinha nascido, e já nós andávamos de volta da tenda, com as rotinas da manhã a acontecerem num passo rápido. Tínhamos que dar de frosques até às sete a.m.


Tomámos o pequeno-almoço junto à estrada. Prontos e preparados, lá fomos nós tentar navegar por esta terra onde tudo é ao contrário. Mas não avançámos muito. Momentos após termos começado, um carro vêm na nossa direcção, numa curva sem visibilidade! Ele abrandou, e nós desviámo-nos. Íamos no lado errado da estrada.

Sem poder, nem querer, entrar nas estradas nacionais, similares a mega-autoestradas sem berma, seguimos a direcção que o sol nos orientava. Oeste. Por estradas secundaríssimas, aos altos e baixo nas colinas, chegámos finalmente à cidade que nos propúnhamos ter atingido ontem. Por esta altura, já considerava, seriamente, em comprar um mapa.

Entrámos numa bomba de gasolina, para encher os cantis e dar uma espreitadela nos mapas de estradas. Por detrás do balcão, veio um sorriso e a pergunta: "You're cyclists, hum?" Um senhor de feições indianas meteu conversa e nós aproveitámos. Não demorou muito até sabermos o nome dele e ficarmos com o seu contacto, para o dia em que visite Fátima, em Portugal. Enquanto isso, passou-nos para as mãos um papel com os nomes das estradas e terras por onde deveríamos atravessar, de modo a chegar a St Albans livres de tráfego. E duas garrafas com líquidos energéticos, vieram parar às nossas mãos incrédulas, com tanta generosidade matinal. Não era indiano, mas do Sri Lanka. Adora os portugueses e as coisas que deixámos para trás nos tempos em que a nossa influência naquela terra era maior.


Com a moral em alta, fizemos-nos à estrada. E enquanto o caminho foi fácil, sempre pudemos aproveitar a estrada. Mas nas alturas em que chegávamos a um nó rodoviário, que ligava as estradas secundárias com as B roads, as A roads e a M de motorway, é que a confusão chegava. São locais gigantescos com duas ou três faixas, interligados por uma duas ou mais rotundas de seguida. E tudo a pedalar ao contrário! Stress....

Mas lá nos safamos, e o dia foi avançando connosco a fazer paragens de bomba em bomba de gasolina, para espreitar no mapa.
Eis que logo a seguir ao almoço, prestes a enfiarmo-nos numa via de pesadelo, aparece o autocolante a indicar "Nacional Cycle Network", com o nome da cidade para onde nos dirigíamos. Experimentámos.
Não são as ciclovias da Alemanha e longe das da Holanda. Mas são ciclovias. Fogem ao trânsito, esgueirando-se por entre os edifícios, as casas, as indústrias e as cercas dos campos. Até que eventualmente ligam com os antigos caminhos de ferro, e a única coisa que vemos é verde em nosso redor, um longo túnel de árvores plano. Foi um belo passeio durante a tarde. Muito diferente da tarde anterior.
E quando ficámos sem saber por onde seguir, caiu do céu um casal de ciclistas, que no seu British accent, nos desenharam um mapa até à ciclovia para Saint Albans.


Foi assim que chegámos à casa dos nossos amigos. Desta vez não é couchsurfing e pela primeira vez durante esta viagem, os laços que nos unem são mais antigos do que uma ligação digital. Não foi necessário tocar à campainha, porque eles ouviram o nosso alvoroço portuga à porta e vieram receber os dois pedaleiros de Portugal.
Choque é a primeira palavra que me vêm à mente, ao ouvir e falar tanto português sem ser com a Ana. Foi como se o meu cérebro já não conhecesse a língua e estivesse a desenferrujar arcaicas conexões cerebrais.

Arrumámos as tralhas, metemos a conversa em dia enquanto o André fazia a quiche, a Catarina dava banho Mariana de sete semanas, e o Tobias, o gato, olhava curioso para a Rita, a gata, a comer tudo o que podia.
O sono veio rápido no meio de tanta comida a lembrar os sabores da terra. Que bem que se dorme depois de um dia de selim, assim! É como se estivéssemos chegado a casa.


...há um ano atrás: Bairrada - Outeiro da Ranha

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