Roncesvalles – Bidarray

Às 6 da manhã ligaram as luzes, e a música de flautas de pã foi despertando a maioria que ainda dormia. Aos poucos o albergue foi esvaziando à medida que os peregrinos iam saindo e desejando "bom camino" uns aos outros.
Enquanto todos iniciavam a sua caminhada na direcção de Santiago de Compostela, anunciado a 790km, numa placa, nós invertemos o sentido e iniciámos a subida de 2km. Uma vez no topo foi sempre a descer...durante 15km. Frio, sombra da floresta, curvas e contra-curvas e mais curvas e contra-curvas. As mãos se travavam era somente para evitar velocidades acima dos 30Km/h, que aumentassem o vento gélido. Do início ao fim sempre acompanhados do som da água a correr algures à nossa volta. Se olhássemos para baixo, conseguíamos ver a continuação infinita da estrada como se se tratassem de degraus gigantes que descíamos, perdidos no meio da frescura da floresta. De luvas da neve postas, cabeça coberta, fechos apertados, nunca até aqui uma descida nos custou tanto e nunca ansiámos tanto que terminasse.
O que se seguiu, parecia tirado de um documentário ou revista da National Geographic. Até aí as vistas eram preenchidas por paisagens de colinas divididas em rectângulos de diferentes tons de castanhos e amarelos secos, planaltos áridos. Deram lugar, a erva verdinha e tenrinnha a cobrir tudo o que a vista alcança. As casas típicas do país basco, brancas de portadas vermelhas, agrupadas em pequenas aldeolas, as chaminés a fumegar, o cheiro a lareira espalhado pelas ruas, chocalhadas do gado a pontear as montanhas em redor. Imaginamos que o gado, aqui, tenha os níveis de felicidade nos píncaros!
Numa envolvência pitoresca entrámos em França! Avançámos até Saint-Jean Pierre du Port, onde se iniciam a maioria das caminhadas até Santiago. Com uma felicidade incontida, em parte culpa do sol e verdura contagiantes, trocámos as nossa primeiras palavras em franciú!
Prosseguimos em direcção a Bidarray, com direito a atingir os 2000km pelo meio e a assistir a um grupo de aventureiros a fazer rafting. A água devia estar mesmo boa, porque até pararam para saltar das rochas para a água, e estavam muito sorridentes.
Vimos umas placas com albergues e a vieira dos peregrinos e decidimos segui-las e experimentar a ver onde iam dar. Depois de uma subida a empurrar as bicicletas (a nossa primeira desde que partimos de Tavira), perguntando aqui e ali, descobrimos que não havia nenhum albergue, mas sim um padre que acolhia peregrinos numas instalações da igreja, próximas desta. Com a casa só para nós, janelas muitas, a maravilhar-nos com as casinhas e animais por ali espalhados no verde, jantámos, fomos para a cama.

Pamplona - Roncesvalles

Depois das despedidas e das traquitanas todas montadas já na rua, eis que o dia de pedalar os Pirinéus, chegou. Com chuva!
Na saída de Pamplona, ainda ouve quem nos avisasse de que poderia nevar lá em cima.
Vias rápidas evitadas e atalhos percorridos e eis que Iruña fica para trás e os verdes pastos começam a dar sinal. Aos poucos a paisagem vai crescendo e deformando-se, tornando o nosso pedalar, num passeio entre os gigantes. Nada de grandes subidas nem descidas. Apenas muitas curvas, poucas inclinações, muitas ovelhas e pouco trânsito. Mas entre a chuva e as montanhas, o sol não deu grandes sinais de vida.
Mas estamos nos Pirenéus! Finalmente a subida começa. Sabemos que iremos ter que subir até aos 1000m. Passamos toda a tarde a fazê-lo. Sempre a subir, sem grandes ventos, nem frios, com muita calma e algumas paragens. Sempre a subir os gigantes Bascos.
Num dos topos, um encontro com um ciclista/peregrino galego, que pedala desde Itália, tornou-se numa demorada conversa e troca de ideias e dicas de selins.
Um pouco de descida e mais uma subida aos 1000m, e eis que Roncesvalles aparece. Apenas um ponto de paragem para a primeira etapa do Caminho de Santiago. Aqueles que no albergue se encontram, estão a digerir o seu primeiro dia de caminhada e a sua primeira subida de montanhas. Nós também, mas este será o adeus ao conforto dos albergues e à segurança do Camino.
Com uma música clássica a encher e acalmar o enorme salão onde todos dormem, dizemos adeus à nossa última noite em Espanha e adeus à nossa querida Península Ibérica.

Pamplona

Dia de descanso.
Dia passado em casa a fugir do frio, com saídas apenas para visitar a oficina (apesar de tudo, nós gostámos dela), para voltar a conversar com os Plesant Revolution e para visitar o mercado de Pamplona.
Dia passado a cozinhar boas e repletas refeições. Saladas com arroz e bifanas. Bacalhau com grão e ovo.
Dia passado na siesta e na conversa pela noite dentro com a Maite.
Foi só descanso e repouso, porque amanhã é dia de subir montanhas!

Estella – Pamplona

Um dia cheio.
Acordámos com desconhecidos ao nosso redor e enfrentámos o frio da manhã ao sair do albergue e de Estella.
Subimos e descemos as habituais colinas do norte de Espanha e o normal frio do Outono. Para chegar a Pamplona, El Pérdon impunha-se com a sua inclinadíssima estrada. Lá em cima, a vista de Pamplona e dos Pirenéus atrás. Mais do mesmo ao chegar a uma grande cidade. É sempre uma carga de trabalhos para atravessar os subúrbios e evitar as vias rápidas.
Uma vez lá dentro, o cansaço e o frio finalmente venceram. Para os combater, nada melhor do que um banco de jardim ao sol e um almoço com todos os restos de pão, queijo, presunto, bolachas, pipas e fruta.
Nós sabíamos a morada da nossa anfitriã, mas não foi necessário perguntar por indicações ou procurar mapas. O nosso querido amigo, El Camino, guiou-nos até à porta da Maite. E logo ao lado, como resposta às nossas preces, uma oficina de bicicletas, com todo o aspecto de ser das boas. E era basca! Nada como uma revisão nas biclas antes de atacar os Pirenéus.
Infelizmente, os simpáticos mecânicos, não foram bem sucedidos em transmitir segurança no que faziam às nossas meninas e o que começou como uma simples revisão e averiguação de inocentes e tímidos ruídos nas bicis, tornou-se num filme de terror e angústia, quando começaram a estropiar as correntes e a (des)regular mudanças! Saímos de lá com o coração nas mãos, com os mesmo barulhos e mais alguns novos e com a sensação de que já devia ser altura de aprendermos nós a cuidar das nossas meninas.
Mas nem tudo foi mau. Alinharam as rodas, trocaram e afinaram os travões e guardaram as biclas durante a noite, evitando assim uma subida até ao terceiro andar da Maite. Como bónus, o destino quis que os Plesant Revolution chegassem à oficina ao mesmo tempo que nós. Ficámos a conhecer esta curiosa e simpática matilha de músicos que iniciaram a sua trip, em São Francisco e depois de atravessar os E.U.A., viajaram para a Europa, para continuar com a sua errática e improvisada digressão musical de bicicleta. Toda a sua vida, assim como a sua arte, é transportada nas pesadas e bonitas biclas.
Depois das emoções fortes na oficina, nada melhor que uma calma e tranquila conversa pela noite dentro com a nossa anfitriã, acompanhada com um vinho tinto e um jantar improvisado. Amanhã é dia de folga. Dia para descansar as pernas e os rabos e para lavar e secar roupa. O nosso primeiro dia fora das biclas desde Salamanca.

Logroño - Estella

Por norma, os dias entre paredes, são dias de tarde pedalar. Depois de descer todas as traquitanas do pedal do quarto andar da Maite e de tomar um segundo pequeno-almoço no café de uns argentinos, dissemos os adeuses, com laços de amizade selados em tatuagens da Hello Kitty.
Ainda chuviscou pela manhã, mas já não nos incomoda tanto. Seguindo o Camino como orientação, continuámos com a nossa labuta diária de mais subidas e poucas descidas. Mais frio e mais vento. Suor nas peles cobertas e frio nas descobertas. Desde Burgos que vamos subindo mais um pouco nas altitudes. Um prenúncio de Pirenéus. Mas nada disto passa pelas nossas mentes. Durante um dia destes, entrámos no modo de subida. Poucas falas nas descidas gélidas. Conversas nas lentas subidas, quando o vento nos deixa ouvir. Pausas para descansar. Sem darmos muito por isso, completamente enregelados e surpresos com a rapidez com que o frio chegou ate nós, Estella apareceu.
Estás no topo de uma colina ventosa e fria, de nariz a pingar, para poucos minutos depois entrares num acolhedor e quentinho albergue onde todos os que nos rodeiam são como nós. Pele queimada do frio, chanatas em pés estrangeiros a combinar com impermeáveis da North Face. Mochilas da Haglof espalhadas por aqui e por ali. É assim a vida quando se anda de bicicleta pelo Caminho de Santiago na direcção contrária.
Após a atribuição dos beliches, após a bagagem carregada da bicla para os pés da cama, após o duche comunitário quente e restaurador da circulação sanguínea, um de nós aproveitou para lavar roupa enquanto o outro deixava queimar o arroz com feijão e carne. Alguns sentimentos de luxo, percorreram as nossas cabeças quando a nossa refeição se comparava com as bolachas para o jantar de uns ou o pão com queijo de outros.
Comemos na cozinha do albergue, numa mesa gigante partilhada com italianos, coreanos, escoceses, japoneses, espanhóis, ingleses, finlandesas e alemães. Ainda houve oportunidade para provar um queijo de cabra que alguém distribui por todos à mesa e oportunidade para planear a rota do dia seguinte com o mapa de peregrinação em italiano.
Com a roupa estendida, a barriga quente e o saco-cama estendido, o sono não dá luta...

Redecilla del Camino – Logroño

 Os poucos peregrinos da albergaria, saíram em pezinhos de lã para não nos acordar. Estávamos sós no albergue, e o começar do dia, fez-se devagar e a demorar, com o prazer de uma mesa, duas cadeiras e quatro paredes ao pequeno-almoço.
Deixámos o donativo no cofre e saímos porta fora para o mundo do dia seguinte. Um mundo de descidas matinais e subidas tardias. De vento frio e lentidões calorosas. De chuviscos refrescantes e uvas suculentas.
Às portas de Logroño, uma rede de cruzes construída por anos e anos de peregrinação, separáva-nos da vida-rápida logo ao lado. Entrámos pelas portas das traseiras da cidade, por ciclovias e percursos domingueiros. A perguntar aqui e ali como desfiar a rede de duas rodas, chegámos à zona centro, com a surpresa de ser a primeira cidade espanhola que nos encantou com o seu ambiente. Fazia lembrar a melhor parte das grandes cidades de Portugal. Seria talvez por os cafés se parecerem com cafés e não com bares.
Já em casa da Maité, tirámos à vez para o lugar no duche e o lugar sentado na cozinha a comer castanhas e a conversar com a nossa anfitriã. A seguir à visita ao supermercado, o Nahuel brindou-nos com a sua presença e vivacidade própria de uma criança de 3 anos.
A noite prolongou-se com conversas, troca de ideias e de receitas, enquanto uns aprendiam posições de ioga e outros escreviam no blogue para vocês...

Burgos - Redecilla del Camino

O Alfredo deixou-nos estar à vontade para sairmos quando quiséssemos, enquanto ele se despedia, de caminho para o seu trabalho. Assim o fizemos. Não havia muita vontade de pedalar no frio matinal, depois do dia anterior, por isso demorámo-nos com umas, muitas, torradas e café com leite, a ouvir a rádio espanhola e com vista para esta cidade histórica.
Já de saída da cidade, tomámos conhecimento que nos próximos dois dias, iríamos percorrer um património da Humanidade. A estrada nacional 120! Sim, porque é nesta altura da nossa viagem que o nosso caminho e o Caminho de Santiago se cruzam e entrelaçam. Não foi preciso esperar muito para começar a ver e cumprimentar os caminheiros e ciclistas que vinham em sentido contrário com a tradicional expressão: "Buen camino!".
A estrada em si, não era de facto o caminho. Este corria ao lado da nacional, que embora estivesse em muito bom estado e com uma boa faixa para os ciclistas, estava povoada com imensos camiões que nos atiravam para a berma.
Fomos lentos mas seguros pelo caminho, mas em sentido contrário. Sempre que o trilho se tornava penoso ou a nacional acalmava, íamos para o asfalto.
Foi um bom dia. Tomámos café no quentinho de quatro paredes a ouvir rádio. Percorremos o Caminho de Santiago. Mesmo com vento contra, fizemos muitos quilómetros e conseguimos subir a serra aos 1150 metros. Já na descida e ao fim da tarde, encontrámos uma aldeola com albergue para caminheiros. Apenas cá estão duas raparigas húngaras, com as suas bolhas nos pés, e um francês com quem travámos conversa corriqueira de viajante para viajante.
Conseguimos voltar a fugir ao frio. Cozinhámos numa cozinha e comemos numa mesa com a companhia do gato do albergue.
Na nossa última noite em Castilla e Leon, deitados em beliches, podemos voltar a sonhar com um quente pequeno-almoço...

Villahán - Burgos

Abrigados do vento e um pouco do frio, acordámos mais cedo do que o costume para não incomodar os trabalhadores que nos deram guarida na sua garagem tipo celeiro.
Teria sido muito bom o facto de ter começado a pedalar à hora que começámos... Teria sido, não fosse o terrível frio matinal que nos deixou atordoados tal era a sua força. Passados poucos metros, trocámos as luvas de ciclista por luvas de esqui!! Mas foi de pouca ajuda. Se achávamos que estávamos com frio, então a geada e nevoeiro a seguir, conseguiram que disséssemos adeus à sensibilidade dos nossos membros. Foi um tormento. Rezávamos por subidas, para podermos aquecer um pouco. Só depois de 17 km pedalados e por volta das 10:30am, é que o nevoeiro deu lugar ao sol e o frio ao calor.
Depois de aquecer os pés enquanto tirávamos fotos às teias de água, voltámos a colocar os nossos doridos rabos no selim.
O resto do dia foi a resposta tardia das nossas preces. Poucas descidas e muitas subidas. Vento de frente gélido, que até nas descidas nos fazia pedalar com afinco. Suávamos mas estávamos com frio.
Burgos parecia nunca mais chegar e só mesmo no último monte, a 1 km da cidade, esta deu sinal de vida.
Depois de um dia tão cansativo e frio, pouca vontade havia para ver as vistas da cidade. Procurámos um bar junto à catedral, ligámo-nos à net, comemos umas tapas (horríveis, congeladas e frias) e fizemos tempo para o Alfredo sair do trabalho e nos receber em sua casa, já por volta das 22h.
Depois de banhos tomados, juntámo-nos os três em volta de uma mesita do Ikea a comer bucerones feitos pela mãe do Alfredo, enquanto conversávamos com este publicitário/teólogo/músico que trabalha na Cáritas, até às tantas.
Já no quarto e no quentinho, soube muito bem sentir que o terrível frio do dia estaria, durante o sono, lá fora...

Dueñas - Villahán

Demorámos a adormecer, tal o habito de dormir no chão. Dá Deus nozes a quem não tem dentes, podem pensar, mas conseguimos dormir!
Pela manhã, com tempo, tomámos um pequeno almoço de torradas com doce e café, arrumámos as traquitanas todas, despedimo-nos e fomos à estrada já pela hora de almoço.
Pelas estradinhas secundárias, foi um sem fim de planaltos. Subir para no topo vermos estendido diante nós, uma estrada recta sem fim e moinhos aos molhos no horizonte. O vento fez-se sentir, mas o sol equilibrou as temperaturas. Subindo com  calor, a direito com vento, e a descer com frio fomos avançando. O almoço foi numa aldeola, como tantas outras, por aqui perdidas. E depois das lições de ontem dos professores foi engraçado reconhecer numa porta, o instrumento antigo, que utilizavam para debulhar o trigo. Assim como se deitava o feijão a secar nas eiras e depois se malhava nele, para que ao levantar-se com a forquilha os feijões caíssem ao chão e o vento se encarregasse de levar as cascas. Assim se punha o trigo, nestas tiras de madeira, cheias de pedrinhas e depois alguém passava por cima para o abrir. O nosso espanhol não permite mais explicações...
As pedaladas continuaram e ao entardecer decidimos tentar a nossa sorte, perguntando pelas aldeias se haveria algum sítio para ficarmos. Foi logo à primeira, que um agricultor nos encaminhou para a garagem onde guardavam o tractor, reboques e materiais de trabalho. A sorte foi tanta que até ofereceu a sua casa para se quisessemos tomar banho. Seria demais, e temos uma reputação e um cheiro a manter. Ali montámos a tenda, fizemos o jantar e fomos dormir, para acordar cedo como os agricultores.

Las Ventas - Dueñas

Aqui, em Espanha, é uma hora mais tarde que em Portugal, e já não bastando isso, tudo numa rotina diária é feito duas horas mais tarde do nosso habitual. Em alguns casos até vem a calhar, como o de hoje em que a saída do camping poderia ser até as 14h, dando-nos tempo para almoçar e arrumar tudo com calma (claro, que não se passou nada assim!) e ter tempos suficiente para chegar a Dueñas e ainda desfrutar da tarde.
Chegámos cedo a Dueñas, eram 15h, hora a partir da qual podíamos chegar a casa dos nossos hosts. Mas como queríamos dar-lhes algum tempo antes de aparecermos, sabendo que tinham acabado de chegar das mini férias a Portugal, fomos fazer tempo dando uma volta à cidade. Acabando por ser a Maria a encontrar-nos num banco de jardim.
Maria, Albierto, Pablo e cláudia. Uma verdadeira família espanhola, at last! Assim que chegámos, puseram-nos logo à mesa a comer arroz de tomate com chouriço, e bifes de peru com pimento, mais uma chávena de café e bolinhos comprados para nós.
Assim que terminámos, fomos com o Albierto e a Maria fazer uma pequena caminhada, enquanto os miúdos estudavam e faziam trabalhos. E aqui estuda-se mesmo a sério. Pais professores, e a trabalhar em casa onde dão aulas, a Cláudia e o Pablo são os filhos mais autónomos, responsáveis, interessados e equilibrados que conhecemos.
Fomos de carro (há quanto tempo...) até ao monte, fazer uma pequena caminhada. Levaram-nos a beber água numa nascente natural, a ver uma estupenda vista de Dueñas que está sempre a mudar, consoante a altura do ano, e a ver os chozos. Estas construções, serviam para os pastores ficarem durante a noite e cada rebanho ficava guardado num redil amuralhada ali à volta. Os chozos foram acimentados para se manterem por mais tempo, e hoje em dia famílias como a deles, vêm cá passar uma noite diferente de vez enquando.
Antes de voltarmos a casa ainda deu tempo para visitar a adega de família. Remodelada em 4 fins de semana, por familiares e amigos que se juntam a conviver. Nos meses de Agosto é costume nas festas da vila todas as adegas dali, abrirem as portas a quem passa, de Dueñas ou não, e oferecer-se comida e bebida. Ficámos convidados!
De seguida brindámos ao Couchsurfing, com um vinho da região num bar ali ao lado.
E depois sim, fomos para casa preparar o jantar.
Comemos tortilha, que já aprendemos a fazer e é uma delícia, pimentos com atum, enchidos, pão e doce, acompanhado com vinho tinto e finalizado com  um melão, que também por terras espanholas, este ano é do tipo pepino.
Loiça lavada, fomos até à casa rural que está encostada à Academia onde vivem. Trouxeram das férias no Porto umas broas de chocolate e binho do Porto, carago! Que tivemos direito a comer e beber enquanto desfrutávamos o calor da lareira, com conversetas já mais ensonadas.
Como bons professores que são, com tão pouco tempo de estadia, tivemos um dos dias mais organizados, se não o mais estruturado, de toda a viagem. Cheio de diferentes e interessantes coisas para fazer e aprender.
No final, tivemos direito à casa rural só para nós, com uma cama de chocolate, que é como quem diz feita de lavado, como manda a tradição em Espanha.
Bem comidos e bebidos, depois de um dia cheio em cheio, que mais poderíamos querer? Dormir.

Majada Valdatan - Las Ventas

Depois de um dia menos bom, poderá vir outro melhor. Mesmo com tudo molhado da chuva da noite, acordámos dispostos a descansar e repor energias neste dia, por isso fizemos os quilómetros que faltavam até Cabillas de Santa Maria, que eram poucos e chegámos lá a horas de fazer o almoço. Fizemos check in no parque de campismo e foi aproveitar a água infinita para lavar a roupa suja que já vinha a engrossar nas malas, limpar a tenda. Só as nossas bicicletas não tiveram direito a uma limpeza. Todas salpicadas de lama. E uma das bicicletas continua a fazer um barulho ao pedalar que no seu auge se assemelha a uma pancada num azulejo oco. Não sabemos o que será e sabemos que temos de tratar disto o quanto antes, mas sem oficinas e com tempo notado até França, não há tempo para procurar mecânico. Ficamos contentes quando o barulho pára, não sabemos porquê e preocupados quando volta. Oremos!
A instalação da Internet estava em actualizações, e  tivemos direito a uma promoção especial de paga duas horas e acede quinze minutos. Conseguimos, entre outras coisas, ler os feedback que têm vindo a aumentar e que reconfortam os nossos espíritos. Ficamos muito contentes porque temos vindo a aperceber-nos que mais gente do que a que pensávamos lê o que escrevemos. Viva! E obrigadinha! As good vibes chegam cá!
Couchsurfing, tempo soalheiro, e o alinhamento dos planetas, levaram-nos a considerar ficar em Dueñas, e conhecer e partilhar algum tempo com uma família espanhola.

Pollos - Majada Valdatan

Assim que chegámos a Tordesillas, atravessámos a ponte sobre o rio Douro! O Douro, que também é nosso! Na pequena cidade,bem conservada, como todo o património arquitectónico que temos visto até agora, reinava um burburinho de início de dia. No centro, procurámos uma panaderia e conseguimos comprar, finalmente, pão mais parecido com o nosso, e que magoasse menos estas nossas bocas cheias de aftas.
Como amanhã é feriado nacional da Virgem del Pilar, houve muita gente que fez ponte e que tirou 4 dias de férias, por isso as ruas foram-se enchendo de espanhóis de outras zonas do país e da terra, à medida que o tempo avançava e o sol aquecia.
Queríamos ter acesso à Internet, para saber se teríamos alguém do Couchsurfing a acolher-nos em Valladolid, e por isso fizemos tempo num "bar", até que os bares com net abrissem. Estivemos 5 minutos sozinhos e logo, entraram grupos de miúdos e graúdos, que encheram tudo de conversas animadas e fumaças. Ficam-se na maioria pelo balcão a beber, comer e fumar entusiasticamente. Tudo o que deveria ir para o lixo é atirado para o chão junto aos balcões. Não há caixotes do lixo nos bares. Na rua outros tantos grupos de miúdos, entravam em "bares" e tiendas só de doces, compravam sacos de doces, gomas, pipas e pacotes de fritos.
Ao meio dia, missa. Sabe-se quem vai, pela marcha apressada e pelo vestir. Os sinos entoam a melodia do 13 de Maio.
A maioria das lojas estava fechada, mas os bares, lojas de gulodices e uma ou outra panaderia estavam a funcionar.
Tal como me distraí a descrever a vida desta cidade, assim nós nos descuidámos com as horas e sem darmos por isso eram já duas da tarde e nós sem almoçar e sem quilómetros no corpinho.
Num instante retomámos a estrada, que seguia para a autoestrada! Perguntando a várias pessoas indicaram-nos um caminho de terra batida, que era a única alternativa à auto estrada. A grande maioria não se paga (como em certos países) e nesses casos, suprimem as nacionais. É bom, mas quem anda de bicicleta, e ainda por cima sem suspensão, tem que se amanhar! Numa vedação em mau estado lá entrámos para um caminho de terra batida e por aí seguimos cheios de incertezas. Mais à frente, três caminhantes, que voltavam do seu passeio matinal, muito gentis, deram-nos o mapa que tinham utilizado. Descobrimos então que seguiríamos a rota do Douro. A parte mais difícil foram 500 metros de areia, que tivemos que fazer a pé a empurrar as bicicletas.
Numa clareira alguns metros a seguir um grupo de amigos e família convivia de forma muito audível! E à medida que avançámos chegavam mais carros para se juntar à festa. Um deles com um pequeno reboque aberto cheio de miúdos encolhidos.
De estômago a dar horas, parámos para comer mais à frente com direito a vista para o Douro, e vestígios de um moinho antigo.
Seguimos cansados dos tremores do caminho, vimos vindimas, perguntámos muitas vezes direcções até que, finalmente, chegámos à  cidade grande de Valladolid, a capital de Castilla e Léon. Uma cidade feia, cheia de prédios e com demasiado trânsito para bicicletas. A deambular pelas ruas, num domingo ao fim da tarde, à procura de algum sítio com Internet, quase sem esperança, uma senhora a quem pedimos direcções deu-nos a password para a sua wifi. E ainda foi a casa e deu-nos mapas, folhetos e páginas amarelas de Valladolid. O nosso host do Couchsurfing. afinal, só poderia acolher-nos a partir da meia noite, mas depois deste dia estávamos demasiado em baixo para aguentarmos até essa hora na rua. Pedalámos até fora da cidade e assim que saímos montámos a tenda, mesmo à beira da nacional. Jantámos o que havia nos sacos, porque não comprámos nada para jantar e fomos dormir.
 

Salamanca – Pollos

Mesmo sem tenda para arrumar, os confortos de uma casa amolecem os nossos sentidos, e como que semi enfeitiçados pela magia de 4 paredes, lá conseguimos sair. Deixando para trás uma nota e um origami à Mia e à Chantal, permitindo-lhes um repouso contínuo, depois de uma noite de "party", segundo palavras da nossa anfitriã, cada vez que sai.
Á nossa volta tudo molhado, o ar húmido, as pessoas atarefadas nas suas rotinas e agasalhadas para a chuva, e nós de roupa impermeável (excepção botas novas que foram a Angola e ficaram com arejamentos extras e botas velhas, que nada mais se lhes pode exigir) montámos duvidosos as nossas bicis e fomos saindo em direcção a Tordesilhas, sempre pela nacional.
Para nosso espanto antes do almoço, já tínhamos papado 40km, o que com os atrasos matinais, era óptimo. Perseguidos pelas nuvens, mas sem chuva e numa estrada sem inclinações era tal a euforia que decidimos ir almoçar num dos restaurantes que acompanham a estrada. Sem darmos conta fomos comer a um português. E onde vai um português vão logo 6 ou 7! Camionistas ou trabalhadores da zona, habitués ou newbies, éramos muitos. O serviço era lento, a comida era pouca para quem viaja a pedalar e era caro. É só isto que temos para dizer no fim das contas...
Continuámos cheios de gana e às 6 horas espanholas já estávamos despachados dos quilómetros "obrigatórios" e já tínhamos mais uns tantos em cima. A partir daí foi tentar encontrar comida, e um sítio para ficar.
Escapámos para um pinhal ao lado da nacional, com uma fileira de outras árvores a esconder-nos do monte atrás.
Afinal, não choveu! Estas previsões meteorológicas estão mui mal.
 

Salamanca

Claro que acordámos tarde! Mas mesmo assim ainda deu para lavar roupa, tomar pequeno almoço, e trabalhar no computador! Como aqui não apanhamos Internet, saímos com destino à biblioteca da Universidade e toda a gente pôde actualizar facebooks e blogues e whatever! Depois disso fomos às compras, para o jantar e como planeámos não almoçar,comprámos qualquer coisa para aguentar o estômago até lá. Visitámos a cidade, tirámos fotos, estivemos especados durante uns bons 10 minutos a procurar um sapo numa fachada de um edifício histórico, que se encontrado sem ajuda, dizem que traz sorte para o ano seguinte. Voltámos para casa para a Mia mostrar a casa a uma possível futura colega de casa e a seguir, fez-nos uma fantástica, deliciosa e spicy comida chinesa, com ingredientes secretos, porque são chineses, e mesmo explicando, não fazemos a mínima do que se trata. Ouvimos música, já que a Mia adora, cantar e dançar, e conversámos.
Ficámos a saber que terça feira é feriado e que segunda fazem ponte, e por isso há imensa gente que tirou estes dias de férias, (daí alguns couchsurfers não nos poderem receber), e que os estudantes desde ontem à noite (quinta) só têm aulas na próxima quarta e quinta, porque sexta não há aulas. Uma vida difícil...
Amanhã planeamos sair e pedalar, mesmo que chova,  para fugir de mais outro dia de chuva, por isso ficámos em casa afim de descansar enquanto elas foram para mais uma crazy night in Salamanca. Com muita pena porque o pessoal e o ambiente é mesmo intenso!
Já não temos pedalada para fazer noitadas seguidas e directas e a seguir pedalar 60 km...

Las Cantinas – Salamanca

Dá que pensar, quando sem querer temos alternado as partidas de manhã entre cedo e muito tarde. Havendo relação entre o querer escapar à chuva que chega ou o querer sair antes de aparecer alguém e sairmos mais cedo. Parece que só nos despachamos para fugir de alguma coisa.
Saímos às 10h portuguesas, por isso, 11h espanholas, com 53 km diante de nós até chegar a Salamanca. Como o pessoal do Couchsurfing que tínhamos contacto não podia receber-nos tivemos que enviar mais mensagens, para tentar ficar com alguém que conhecesse a cidade.
A estrada nacional estava um pouco  mais movimentada, devido à proximidade de uma cidade, mas mesmo assim, a maior parte do tempo tivemos a estrada só para nós. O tempo variou entre muito vento e frio e muito calor, que juntando ao vento da subida e descida da Serra fez a nossa pele exposta ganhar um bocadinho mais de cor.
Uma das bicicletas começou a fazer um barulho estranho, o que é sempre alarmante, pois significa problemas. Pensámos em ir a uma oficina/mecânico em Salamanca, mas tal como começou, assim se foi... de repente.
Numa estação de serviço à hora de almoço, comemos o que havia, sandes de presunto caseiro, e por sorte conseguimos apanhar rede para internet. Uma couchsurfer respondeu que nos albergava, e ficámos muito contentes. Aproveitámos logo para responder e deixar tudo o mais combinado possível. Pedalámos muito mais animados os restantes 25km sabendo que teríamos alguém para nos acompanhar em Salamanca. A nossa host chama-se Mia Wong, tem 20 anos, é chinesa e está a estudar gestão aqui em Salamanca. Vive com mais um estudante espanhol, o José, e no mesmo dia que chegámos, chegou também, um pouco mais tarde, para ficar em casa da Mia, uma outra moça Couchsurfer, da Alemanha, a Chantal. Por isso, numa mesma casa teríamos 4 nacionalidades em simultâneo. How great is that?
Jantámos uma pasta de atum, típica comida de estudante, mas muito saborosa e fomos sair, porque à quinta-feira toda a gente sai, já que às sextas não há aulas. Além disso, nessa noite e por mais duas noites a comunidade couchsurfer daqui, reune-se e sai toda junta. Encontrámo-nos com mais uma austríaca, a Júlia, dois brasileiros, o Paulo e o Bernardo e mais tarde, juntámo-nos ao Rodrigo do Brasil, e a Laura daqui de Espanha, resultado: além da multinacionalidade abundante, e de falarmos espanhol, inglês e  português/brasileiro tudo à mistura, estivemos em bares/discotecas muito diferentes, mas um bocadinho aqui, um bocadinho ali, toda a gente ficou contente. A Ana Cláudia (Brasil) é uma espéice de líder da comunidade dos surfers aqui e por isso há sempre qualquer coisa a acontecer, e o pessoal está sempre bem regado. São muito activos.
O nosso bar preferido foi um bar que se chama "Pan e Água" e tem dois andares e as paredes e tecto cobertos de cima a baixo, da esquerda à direita com assinaturas, mensagens, letras de poemas, canções. Basicamente, qualquer um pode escrever o que quiser ali. Mais amigos espanhóis, copos de um litro de cerveja, vinho com coca-cola e xarope de amora, umas fumaças aqui e ali, música mais de acordo os nossos gostos, conversas animadas e risotas e um ambiente descontraído encheram-nos as medidas e saímos MUITO animados desta noitada.
Voltámos um bocadinho antes da Mia e da Chantal, porque o corpo já se queixava e depois de umas voltas a mais lá demos com a casa e fomos dormir, com algum receio de não as ouvir tocar à campainha, mas como elas dormiram em casa, correu tudo bem. Foi uma noite espectacular. Há algum tempo que  não nos deitávamos às 5h da manhã.
Ainda bem que amanhã é dia de descanso...

El Payo – Las Cantinas

Dormimos descansados ao som do vento gelado que corria lá fora. Pelo menos não teve acompanhamento de chuva.
A nossa primeira manhã de campismo selvagem em Espanha, fez-se com movimentos céleres para tentar fazer circular o quente sangue para os mãos e pés frios.
Sem grande vontade de fazer pequenos almoços no meio de todo aquele frio e desconforto, lá nos pusemos a pedalar até Fuenteguinaldo. Depois de subidas e descidas gélidas, lá chegámos à localidade que um dos nativos lhe chamou: "...el culo del mundo!" Ainda assim, não nos pareceu tão mau. Entrámos na vila, com o cheiro a pão e bolos acabados de fazer e depressa encontrámos uma pequena praça junto à igreja, onde alguns feirantes tentavam a sua sorte. Comemos um bolo de azeite e anis e aquecemos as mãos e as gargantas com um chá de camomila (manzanilla!), num bar ou café. Aqui os cafés ou têm nome de bar ou nome de pastelaria. Mas a maior parte é tudo bar "qualquer coisa". Lá dentro não diferem assim tanto uns dos outros. Muita gente ao balcão, muita gente a fumar e a pedir cigarrilhas aos empregados (como quem pede um café), muitas cañas logo de manhã, muita sujidade no chão que parece ser o caixote de lixo de estabelecimento. Mas tudo isto com muitas conversas animadas e sorrisos.
De volta à estrada, sempre com a ameaça de chuva à direita da estrada e a esperança de bom tempo à esquerda, tentámos fugir do mau tempo que nos perseguia, rumando para Nordeste, onde as previsões pelo menos não eram de chuva.
Em Ciudad Rodrigo, uma cidade de aspecto medieval, mas restaurada e integrada no dia à dia dos espanhóis, procurámos um cantinho onde fazer o almoço.
Enquanto o fazíamos, algo de muito estranho aconteceu. Com uma rapidez impressionante, todas as lojas fecharam, todos os cadeados foram postos nas portas e toda a gente desapareceu das ruas como de um número de ilusionismo se tratasse. A famosa siesta. Tão rápida que em poucos minutos fomos transportados para uma cidade fantasma.
Como as estradas eram boas, ainda fizemos uns bons quilómetros, antes de encontrar um pequeno parque de campismo, perdido entre a estrada nacional deserta para Salamanca e a auto-estrada cheia de camiões para o mesmo destino.
Adormecemos ao som do portátil a fazer uploads de fotos e textos, e ao som dos monstros da estrada.

Freixial – El Payo

Dia 5 de Outubro, além do centenário da república, hoje foi um dia muito importante, passámos a fronteira. Saímos finalmente de Portugal!
Uns bons quilómetros antes e outros tantos depois foi um esborrachar de bichos que nunca mais acaba. Formigas voadoras que se erguem do chão completamente alucinadas (até nestas alturas elas formam uma fila) e deixam-se ir com o vento o mais longe que as asas aguentarem os seus corpos rechonchudos e estaladiços. É claro que algumas nesta alucinação acabam inevitavelmente por colidir e espatifar-se nas nossas testas e bocas, braços e barrigas. Além de outras vantagens, que falaremos mais à frente no blogue, a utilização de óculos nestes casos é vital.
Tirando o matar bichos indefesos à beira da estrada, só começámos a pedalar a sério às 11h30. O almoço foi tardio, lanche não houve e o jantar foi sandochas. Almoçámos em Valverde del Fresno, num jardinzito. Nesta altura ficámos sem azeite, o sal vai pelo mesmo caminho daqui a  mais uma refeição e o detergente para a loiça, também não há.
Retomámos a estrada e passámos por Eljas bem lá no cimo, continuámos até San Martín de Trevejo. Aí era urgente comprar comida, já que gastámos tudo o que havia, numa misturada ao almoço, pelo que entrámos num supermercado ali na esquina com a estrada. Os donos atenderam-nos muito bem e conversámos um bocadinho. Ofereceram-nos mais umas fatias de presunto, que nos disseram ser com menos sal. Até no presunto, tão tradicional já se anda a cortar no sal, por questões de saúde! qualquer dia há presunto sem sal!
Daqui para a frente foi sempre a subir até aos muitos muitos metros de altura. Mais que o ponto mais alto da Serra do Caldeirão. Meu rico Caldeirão! Curvas e contracurvas, o som dos badalos do gado a pastar pelas encostas, um carro de vez enquando, o fresco das árvores, e o sol a desaparecer atrás de outro monte. Muito suor à frente, aqui o Mister Swet e a Miss Swettie finalmente avistaram o fim de tanta subida. Para baixo foi um instante, mas sem sol, e no meio da serra toda a pele que estava à mostra e o molhado do suor ficaram tão enregelados que doía.
Chegámos a El Payo já com um pouco mais de agasalhos, mas meio desnorteados, porque o nosso super mapa acaba aqui, por já ser praticamente de noite, e não termos jantado, nem arranjado sítio para dormir. As ruas estavam desertas, as persianas e estores fechados, parecia uma cidade fantasma. Mas não era. Alguns metros a seguir, avistámos algumas pessoas na rua, e falámos com elas para saber se havia algum sítio para pernoitar, e como não, para nos encaminharem para a estrada que nos levaria até Fuenteguinaldo. Seguimos a estrada e à primeira oportunidade enfiámo-nos por um caminho do gado, e aqui estamos de tenda montada, a melhor empanada comida até hoje no bucho e sacos cama vestidos a escrever e a dormitar. Daqui ouve-se e sente-se o vento frio. Amanhã dizem que vai chover...Vamos ver..

Castelo Branco – Freixial

Dormimos até tarde e no quentinho que apenas quatro paredes proporcionam. Com direito a pequeno-almoço e a conversa com a cozinheira, saímos sem grandes pressas do conforto da pousada. Ainda se pensou em ir à Decatlhon de Castelo Branco, mas depois de pensar bem, vimos que não era de todo necessário.
Pedalada calma e sem grandes stresses ao longo da estrada para Penamacor. Com a Serra da Estrela a desafiar-nos com os seus imponentes e majestosos cumes e paisagens do lado esquerdo da estrada e com pacatas colinas cultivadas do lado direito.
Depois de um belo almoço e de volta à estrada, começou-se a notar o cheirinho a terras e costumes do norte do país, na construção e na maneira de ser dos nativos.
Depois de nos orientarmos para um jantar de campismo selvagem nos arredores de Penamacor, por acaso do destino, um de nós viu a placa a indicar parque de campismo. Ainda houve algum debate, sobre se deveríamos ir ou não, mas com o anoitecer já à vista, decidimos procurá-lo.
Depois de indicações do bombeiro da terra, eis que a placa informa: "campismo 10km" !!
Mas o que são mais 10 km, num dia de quase 60 km? Ainda tivemos tempo de papar uma sandocha antes de ligar o turbo para uma pedalada por entre vales e ribeiras, num ambiente de lusco fusco, onde nada nem ninguém se avistava. Com os dez quilómetros já pedalados e sem nada à vista, começámos a duvidar da sua existência. Mas não. Lá estava ele escondidinho junto à ribeira. Muito acolhedor... pelo menos até os oito jipes recheados com os inquilinos das, até agora silenciosas, caravanas. Em poucos minutos, a paz da serra, foi substituída por conversas, gritos, risos e jogos de futebol que se prolongaram até à meia-noite!
Um parque tipicamente português, para o último dia na pátria.
Estamos a dormir a uns meros quatro quilómetros de Espanha. Amanhã, atravessamos a fronteira e tornamo-nos pela primeira vez, estranhos numa terra estranha.

Sarnadas - Castelo Branco

Tal como o nosso vizinho disse, o dia ia ser de chuva. E que chuvada! Mas saiamos da tenda primeiro.
Com as nuvens cinzentas por cima de nós a pressionar foi um dos dias, senão o dia, em que nos despachámos mais rápido.
O objectivo era chegar a Castelo Branco e finalmente ter acesso a um multibanco onde pudéssemos carregar telemóvel e internet para contactar couchsurfers, a ver se alguém nos abrigava da chuva.
Foram 12 km com chuva miúda mas que molhou. À chegada a Castelo Branco a chuva aumentou e o frio por estarmos parados chegou. Ficámos à espera que as lojas abrissem para comer qualquer coisa e procurar um sítio sossegado onde tomar algo enquanto navegámos na net. Reparámos que quando chove ninguém se lembra de tirar fotografias...Não percebo porquê!
Os contactos do couchsurf ou não viram, ou não responderam ou não podiam, pelo que decidimos ficar na pousada da juventude. Almoçámos sopas num restaurante e no Sítio do Costume e encontrámos 2 casais de motociclistas também em viagem, e quer eles quer nós em vez de dizermos qualquer coisa ficámos a olhar e a apreciar as coisas uns dos outros. Que patetas!
Depois do almoço apanhámos a chuvada monumental e andámos um bocado desorientados entre residência de estudantes, instituto da juventude e pousada da juventude. Lá chegámos, todos ensopados e enquanto um fazia o check in, o outro subia e voltava a subir a escadaria com as malas e as bicicletas que puderam ficar na sala comum. Como estávamos todos molhados, e tudo aquilo ali no hall fazia charco, abriram uma excepção e pudemos vir para o quarto antes da devida hora!
Fizemos um charcozinho aqui no quarto, tomámos um banho quente, pusemos a escrita em dia, jantámos, lavámos roupa e até vimos um episódio do The Event enquanto jantávamos. Agora já é tarde e aqui ao lado já se dorme. Amanhã há mais para ver...

Chão de Codes - Sarnadas

Não choveu durante a noite, mas de manhã tudo estava molhado. É o frio nocturno do Outono que trás consigo humidade.
Ainda assim, despachámo-nos cedo para evitar encontros com o dono das terras onde pernoitámos. E para tentar chegar a Castelo Branco, na eventualidade de algum amigo Couchsurfer responder positivamente. Só o saberíamos à hora de almoço.
Sempre a pedalar e a perguntar direcções, lá fomos deixando uns montes valentes para trás e a fazer uns bons quilómetros pela manhã.
Nova estratégia. De 20 em 20 quilómetros paramos para descansar.
Pausa da manhã em Envendos, almoço na Pedra do Altar, no Restaurante da Célia, onde comemos até mais não, moelas e frango.
Sem multibanco durante todo o dia, sem dinheiro no telemóvel e com muito pouco saldo de internet, tivemos que fazer uma visita rápida ao email à procura de respostas. Duas respostas, que por distracção nos pareceram só uma. Ainda assim esta uma, era uma resposta dúbia. Que fazer? Deixámos resposta a dizer que lá estaríamos e fizemo-nos à estrada, prontos para enfrentar a muralha de serra que nos separava de Castelo Branco e de paisagens menos onduladas.
Depois de passar a serra, com paragens de 1 em 1 quilómetro nos troços mais inclinados, desfrutámos de uma abandonada IP2, graças a uma A23 a apenas uns metros de distância.
Mas o cansaço do dia fez-nos procurar um último repouso e voltar a verificar o Couchsurfing. Sem novidades, voltámos uns metros para trás e abandonámos a IP à procura de um bom spot de campismo selvagem.
Umas terras batidas mais tarde, e um pinhal foi escolhido para a pernoita.
Já de estacas na mão, eis que um carro pára junto a nós e um senhor sai, a perguntar se íamos ali passar a noite. Depois de explicar que estávamos só de passagem, ele ofereceu-se logo para montarmos a tenda junto à sua sebe, num sítio mais plano. Algum dia tinha de ser o primeiro!
Bem dito, bem feito, enquanto montávamos a tenda, ainda tivemos direito a umas uvas acabadas de apanhar e a uns dez litros de água para o que fosse preciso.
Muito obrigado caro vizinho, que ainda nos alertou para a chuva anunciada dos próximos três dias.
O fim do dia fez-se com conversas de planos alternativos, e ao som de ladrares vizinhos e com o cansaço de 73 km de montes e serras nas pernas.
Só espero que a chuva nos deixe chegar a Castelo Branco...

Bairrada - Chão de Codes

Quando paramos em algum sítio, durante uns dias, torna-se sempre difícil de recomeçar. Parece que estamos a iniciar a viagem e tudo se assemelha a um adeus ao conforto e à boa vida. À quase um mês que não pedalamos. Hoje foi um dia difícil.
Sem grandes conversas e atrasos, arrumámos tudo, deixámos as biclas prontas e tomámos um pequeno-almoço, sentados a uma mesa e no conforto de casa.
O dia pedaleiro resumiu-se a lento. Tudo parecia pesado e tudo parecia novo e diferente. As biclas tinham barulhos novos, o que causa sempre grande apreensão. Um ruído estranho na bicicleta é sinal de que algo começa a estar mal e que se não for resolvido pode tornar-se num problema sério.
Mas desta vez acho que eram apenas as biclas a estalarem os ossos depois de duas semanas paradas. No entanto, uma das rodas parece estar a ficar um pouco torta. Não se nota muito e não sei dizer se sempre esteve assim e só agora é que dou por isso... Vamos aguardar.
Poucos metros após a Aldeia do Mato, um marco histórico rodeado de montes e eucaliptos. Já pedalámos 1000 km, desde que partimos de Tavira no dia 2 de Agosto!
Almoçámos junto ao lar da Santa Casa da Misericórdia, do Sardoal. Os nativos idosos, tiravam à vez para se sentarem nos bancos vizinhos e observarem tão peculiar casal.
Sabemos que estamos no Outono, quando suamos com o calor das subidas e trememos de frio com as descidas. Hoje houve muito disto.
Por esquecimento, tivemos que entrar em território desconhecido, sem mapa, e tentar dar o nosso melhor para não perder o rumo de Castelo Branco.
Cansados e exaustos, pelo menos até o jantar estar no bucho, pernoitámos numas hortas escondidas pelos montes e ao som dos moinhos eólicos.

Quirima, Angola

Um trabalho é um trabalho e em Angola não é diferente.
Mudam os cheiros, mudam as vistas, mudam as pessoas, mudam os caminhos e os costumes, muda o tempo.
África é tudo o que vemos na caixinha de cores e muito mais. Sem entrar em clichés, foram duas semanas de trabalho normalíssimo num local e em condições nada normais para mim.