Saubrigues - Castétarbe

O dia começou com a montagem das bagagens nas bicicletas. Um bom pequeno-almoço e umas fotos depois e despedimo-nos. A Adelaide e a meninas foram para a escola e trabalho e nós para o (re)início da nossa viagem! Ainda nem um quilómetro tínhamos completado quando nos apercebemos que um dos suportes da frente estava a tremelicar de um lado para o outro, quase a roçar no pneu! Combinámos que, assim que chegássemos a casa dos nossos hosts do CouchSurfing, desmontaríamos e voltaríamos a montar os suportes para evitar um desastre e ter de comprar uns novos. Na oficina dos mecânicos bascos, um suporte dianteiro, num espaço de 2 minutos entortou-se de tal maneira que não conseguíamos por a mala! Com umas marretadas diminuiu-se o entorse e conseguimos montar as malas. Por isso não nos lembrámos mais dele até este dia.
O nevoeiro matinal, durou até às 11h00. A estrada era relativamente plana e passámos por uma rotunda com uns kiwis gigantes, por se tratar da terra dos kiwis!
As cores à nossa volta são degradés de laranjas, amarelos e vermelhos. Há folhas a cair em cima de nós, e a terra coberta por um manto de folhas coloridas e molhadas! O fumo que sai das chaminés e o cheiro a lareira são nostalgias de uma vida que parece distante. O sol aquece e conforta-nos. As nuvens sempre presentes no céu a viajar, por vezes escondem o sol. Então a temperatura parece descer em segundos, para logo de seguida o vento destapar o sol e voltar o quentinho.
A meio do caminho almoçámos umas sanduíches e voltámos à estrada. Seguimos por estradas secundárias até Castétarbe. O que acontece, normalmente, é que, assim que chegamos à localidade do destino relaxamos cedo demais. Mesmo que nos digam que se trata de uma pequena vila ou aldeia, a verdade é que demoramos mais tempo a encontrar a morada do que a fazer 30km.
Perguntámos a muita gente e com tentativas e erros fomos afunilando hipóteses e acabámos por encontrar o sítio.
O Freddy veio receber-nos e mostrou-nos logo o nosso quarto. O lavatório, a sanita e o duche ficavam cada um em seu canto!
A Mireille chegou de seguida. Fez-nos um chá de roibos e junto à lareira conversámos enquanto aguardávamos pela hora do jantar. Os dois estávamos esganados de fome. Mal sabendo que também eles jantavam mais cedo, habitualmente. Uma sopa deliciosa, paella, a tradição dos queijos a seguir à refeição e para finalizar uma salada de fruta super buena .
Só depois de consultar a meteorologia decidimos ficar mais uma noite!

Regresso a Saubrigues, parte 2

Com uma mochila às costas, uma mala cheia de comida e outras duas cheias de tralha para a viagem chegámos a Tyrosse.
Desde a chegada até ao fim do dia, fomos esvaziando o saco da comida e enchendo os estômagos. Apenas uma troca de localização. Usámos a tomada da estação para ligar o portátil, dormitámos nos bancos anti-pessoas-com-sono, passeámos por Tyrosse, e pagámos 4,40€ (o chá mais caro que já bebemos) para usar o WC, porque já não aguentávamos mais. Se se lembram, em France, há poucas ou nenhumas toilettes para utilização pública. O xixi faz-se em casa!
Ainda visitámos uma biblioteca local com o bónus de assistir à visita semanal do jardim de infância.
Nas fotos poderão partilhar a arte de podar em francês!
Minutos antes da estação fechar, a Adelaide foi-nos buscar. Chegámos cansados, mas rapidamente fomos aconchegados com uma refeição familiar, depois de um dia de sandes. Mais uma vez, refizemos as malas e depois de umas visitas à Internet e combinações de CS, finalmente fomos dormir, enquanto lá fora estavam 0ºc. Amanhã é o primeiro do resto da nossa vida!

Regresso a Saubrigues, parte 1

16h38 - o comboio chega e os demais viajantes eram escassos e pareciam tranquilos, nada fazia prever o que se seguiu...
Os nossos lugares sentados, na segunda fila a contar da porta, as bagagens por cima, os casacos sobre as cadeiras, os pés descalços e .... c’est parti!
Um início tímido, sussurros, com licenças, se faz favor, ajustes na cadeira, ajeites na roupa, arrumação das bagagens, e instalação. E logo um som constante-irritante de um vídeo jogo ecoava por toda a carruagem. Uma criança, 6 filas adiante jogou durante 4 horas consecutivas com o volume no máximo,até que uma jovem intercedeu pela nossa sanidade mental e o som cessou.
Em Coimbra, entraram mais passageiros, umas jovens, uns jovens, uns adultos...
O vizinho da frente volta e meia, olhava aflito para quem o rodeava e perguntava quanto faltava para chegar a Victoria, que horas eram, a que horas era suposto chegar, se ainda faltava muito, onde é que estávamos, que horas eram, onde estávamos...
O vizinho de trás, até então falando para si próprio, teve direito até Miranda do Douro, a um companheiro à altura. Uma conversa animada começou sobre o "comboio que não falava", e sendo de noite, ninguém sabia onde estava; sobre os respectivos trabalhos. 2000€ mensais, para aqui, 2500€ para acolá. Pareciam trocar dicas e truques para receber a horas e bem, satisfeitos com o que a experiência lhes tinha  ensinado.
O casal vizinho atrás na diagonal, era uma caricatura de Portugal, os dois com cerca de 40, ele de grande, grande mostache, tez morena, queimada do sol, maciço, ela de cabelo curto, uma peitaça respeitosa, brincos e fio de ouro. Assim que entraram ouvimos-lhes a pronúncia do norte: "Tá-se bem!" " Este é muito melhor qu'o outro!". E posto isto, comeram as suas sandochas, uma chamada para o filho e depois um ó ó até à paragem de saída, com direito a marcar golos de cabeça!
Mais à frente na diagonal, tínhamos 2 cavalheiros, um com trinta e muitos outro com 40 e poucos. O de trinta e muitos, de cabelo comprido, usava um pincel grosso, para segurar o cabelo. Very artistic! O outro tinha uma cara mais modelo de revista e os dois tinham as hormonas aos saltos, muita testosterona em conversetas e risotas entre si, como duas teenagers a querer dar nas vistas! Cada espécime do sexo oposto que passava levava com um duplo virar de pescoços e às vezes um sonoro: "I'm your knight!" ou "Do you need any help?".
Em Espanha entre uma jeune femme, cheia de malas a bater com elas em tudo quanto passava pelo caminho e a falar sozinha... Não! Afinal, tinha um cão daqueles de pêlo farfalhudo dentro de uma das malas. E até à sua saída presenciámos muitas paragens em que o cão recebia conselhos, ordens sussurradas entre beijos que a dona enviava à medida que se afastava ou para ir ao bar, ao WC, ou fumar, como se de uma despedida entre dois namorados melosos se tratasse.
Apareceu então um dos meus preferidos, um senhor já com alguma idade, de porte respeitoso, cara grande e nariz rosado, casaco de pele preto, gasto, 2 tamanhos acima do seu, e o principal, uma cabeleira branca imaculada, no topo levantada aos céus. Era cabelo verdadeiro, mas parecia o pêlo de um boneco de peluche que foi à máquina de lavar. A sua voz era grossa e forte, como a da maioria das pessoas que já descrevemos, com excepção da dona do cão que falava meio bebé, meio dengosa.
Havia ainda um blackie black, de casaco de penas branco sempre vestido, de carapuço felpudo, sempre calado, metido consigo, mas que tinha a mania de se levantar 15 segundos depois de se ter sentado, como que obsessivamente.
Agora vamos pegar nestes personagens todas e vamos juntá-las na porta atrás de nós. A uma fila de distância, a... não sei se lhe chamaria conversar, era mais uma espécie de  uma espécie treino de colocação de voz, ou ensaio de teatro. Cada um defender o seu ponto de vista, a sua experiência, todos a fumar e alguns a gargalhar, a porta ora totalmente aberta ora a ser aberta de 5 em 5 minutos (não consigo escolher a que gostava mais), e juntemos-lhe ainda um estrondo da porta da rua a bater sempre que partíamos de uma estação.
Ás vezes vinham para os lugares, e aí continuavam as suas conversas, mas sem ajustar o volume que continuava igual ao que estava junto da porta.
Ao nosso lado um, atrás de nós outro e ao lado do de trás outro. Todos com os seus casacos de pele coçada pretos, o cheiro a tabaco entranhado na pele, voz grossa e rouca e volta e meia uns cofs cofs para cima de nós. Durou algum tempo, até que o do cabelo de peluche branco se sentou e merendou a sua sande acompanhando com a sua garrafa de litro e meio de tinto, enquanto dizia meia dúzia de palavrões e uma ou duas palavras numa tentativa de diálogo com o nosso vizinho da frente, o ansioso com as paragens/horas, que não falavam português.
Meia garrafa depois e duas sandes debruçou-se para a frente, de mãos juntas, como que em oração, e adormeceu.
Se soubesse o que sei hoje, teria partilhado desse seu remédio milagroso, uma bela pomada portuguesa-caseira, capaz adormecer qualquer um mesmo que num Sud Express frenético.

Quirima, Angola

De novo no hemisfério sul. O trabalho, idêntico ao da última viagem. Assim como o caminho entre Luanda e Quirima.
Seis horas de estrada asfaltada até Malanje. Seis horas de estradas e condutores angolanos. Velocidades impossíveis e rasantes a buracos no asfalto que despedaçariam qualquer reflexo em falso por parte do condutor. Kizombadas e músicas da terra, em decibéis de discoteca a acompanhar temperaturas gélidas dentro da viatura e calorosas no exterior. Em Angola, vive-se nos extremos.
Uma vez em Malanje, uma pausa para esticar as pernas, descansar os ouvidos e enganar a já dolorosa barriga de fome.
De Malanje a Quirima, uns meros duzentos e muitos quilómetros de puro terror e tédio. Oito horas de mais música e ar condicionado. Oito horas de picadas com a textura e solidez de manteiga. Oito horas de chuva, solavancos e atolamentos. Oito horas de trovoadas constantes, céus ameaçadores, interminável selva e aldeias perdidas no tempo e esquecidas pelo mundo.
Dez dias de escritório, para depois repetir tudo na viagem de regresso a Luanda.
Tudo isto com a pergunta sempre presente e imaginada: Como será pedalar por estas estradas? Se é assim tão horrível de carro, será na mesma medida, tão belo e recompensador de bicicleta?

Saubrigues e regresso a Portugal

Um acordar com sabor a repouso. Não iríamos pedalar durante uns tempos.
Ainda assim, antes de dizer adeus às nossas companheiras de viagem, desmontámos e limpámos tudo: material, alforges e biclas. Tudo lavado, oleado e pronto para quando chegarmos daqui a um mês.
Um mês de pausa para regressar a Lisboa, viajar para Angola e regressar para a  nossa "Tour de Fance".
Um dia repleto: Pequeno-almoço numa mesa familiar; Labuta lavadeira nas biclas; Almoço com mais queijos, vinhos e boa conversa. Ao fim da tarde, depois de uns até breve, fomos de boleia até à estação dos comboios, que mais parecia um apeadeiro perdido.
Ainda era cedo quando chegámos, mas a espera em nada ajudou o nervosismo da dúvida, sobre se a greve geral que há tantos dias assolava o país nos iria calhar a nós com comboios atrasados e enlaces perdidos... Mas foi tranquilo. Apenas vinte minutos de atraso.
Entrámos no comboio e iniciámos a loooongaaaa viagem de regresso a casa. Em pouco menos de 20 horas de comboio, percorremos a mesma distância que nos demorou 20 dias de bicicleta. Vinte horas encafuados num assento, com o "pouca-terra, pouca-terra" tão característico dos comboios. Não sentimos nada do glamour e o encanto das viagens de comboio.
Já em Lisboa, depois de uma noite em branco e de três países atravessados, tudo nos parecia surreal. Parecia que nunca tínhamos atravessado todo este caminho de bicicleta. Os últimos vinte dias pareciam ter sido um sonho que já começava a desvanecer.
Resta-nos o descanso e a pausa. Um mês de pausa em Lisboa, viajar para Angola e regressar para a  nossa "Tour de Fance".
P.S. - A máquina fotográfica ficou esquecida em  Saubrigues. Ops!

Bidarray - Saubrigues

Saímos de casa do padre Pierre, pelas oito e pouco.
Veio-se despedir de nós, e fazer-nos prometer que escreveríamos assim que chegássemos a Santiago de Compostela! Isto depois de já por três vezes, em momentos diferentes, lhe termos dito que tínhamos começado o caminho em Burgos em direcção oposta a Santiago, com destino a França. Algum problema de comunicação, provavelmente!
Seguimos caminho por estradas pitorescas, sempre com placas anunciando fromageries, que seduziam o Alexandre para ir ao seu encontro. Eu cá sou imune, porque não senti nada quando passávamos por elas. Mas para o Ulisses Alexandrino eram uma espécie de sereias... Conseguiu resistir aos seus encantos. Por agora...
Com o novo mapa de 1 Kg, não houve dúvidas no caminho a seguir. As estradas eram um pouco estreitas e volta e meia lá apareciam uns camiões ou tractores para nos recordar que a estrada não era só nossa. Pela quantidade de castanhas e ouriços esborrachados no chão, descobrimos que as estradas são ladeadas por castanheiros, e que a fauna local não dá vazão a tamanha produção frutícola.
Para compensar a surpreendente facilidade com que passamos os Pirenéus, e entenda-se por isto as subidas, deparámo-nos com umas subidas e descidas curtas mas inclinadas à brava, nada comparado com os Pirenéus, com subidas longas e quase planas. Em questão de minutos era passar da mudança mais pesada para a mais leve, para logo seguir repetir o ciclo. O que vale é que os ânimos estavam além das nuvens, sabendo que poucos quilómetros à frente encontraríamos família, com casa para descansar, e que esta etapa estava prestes a chegar a bom porto.
Almoçámos num pequeno jardim entre a escola e uma igreja cemitério. Aflitos para usar as toilettes, mais uma vez descobrimos cafés sem este serviço disponível, o que nos levou a crer que os franceses, devido sua elegância natural, não fazem xixi e afins fora de casa! Não é chique! É claro que são tudo suposições, e o mais provável é serem, tal como nós, meros seres humanos com necessidades básicas que precisam de satisfazer. Vamos aguardar para ver!
Eis que Saubrigues surgiu.
A Amélie e a Alice, já tinham andado para a frente e para trás à nossa procura, o que além de ser agradável, por acreditarmos que era porque estavam ansiosos com a nossa chegada, era mais um ponto a favor de Saubrigues que é seguro para as crianças andarem à vontade. Além disto têm de tudo ali. Uma sala de espectáculos, e propostas culturais semanais que abrangem várias áreas, logo ali ao pé de casa, As escolas, a praia a poucos quilómetros, comércio local, e na cidade mais próxima centro comercial para matar o bicho consumista, e no Inverno neva! Que mais se pode pedir?
Além de nós, mais um casal da família, fez ali a sua paragem, antes de continuar caminho para a sua casa em Paris. Foi um jantar de mesa cheia, com comida boa, muitos queijinhos bons, doces e conversas em francês/português e português/francês.
Ça c'est trés bon, n'est pas?