Vitigudino - Almeida

Neblina....
A Ana Rita saiu cedissímo para conseguir entrar ao trabalho na capital de Portugal a horas. Nós fizemos-lhe companhia no despertar e até ser a vez do Nuno entrar ao serviço, preparámos as alforges, mais uma vez. Eram nove quando começámos a pedalar. Durante toda a manhã, uma constante: neblina. Não levantou, por mais que pedalássemos. Quer subíssemos colinas ou atravessássemos vales, a neblina manteve-se e tornou a maior parte do dia frio e molhado. Em especial na farta barba que apanha nas suas pontas as gotículas de água que pairam no ar. De vez em quando, tinha que limpar a cara para que não enregelasse.


Não conseguimos ver nada da paisagem e ainda chegámos a andar às voltas em estraditas secundárias sem sinalização ou direções, um pouco perdidos na neblina.
Quando finalmente parámos para almoçar, à uma e meia, numa terreola perdida, as nuvens subiram o suficiente e dispersaram, deixando o pouco calor do sol chegar até nós. A Ana dormitou dez minutos, pois estava a cair de sono. As horas de deitar do fim de semana a fazerem-se sentir!

Um passeiozito entre as aldeias de Espanha e quase sem darmos por isso, chegámos. Fiquei com a sensação de estar a entrar pelas portas das traseiras de Portugal. Antes de chegar à aldeia do Vale das Mulas, dentro de uma horta, uma tímida placa azul com umas estrelinhas amarelas, e a palavra Portugal. Conseguimos... Finalmente conseguimos regressar...


A lágrima veio ao olho e o beijinho prometido no asfalto português, assim como na humilde placa. Foi das sensações mais estranhas que alguma vez experimentei. Contente e triste ao mesmo tempo. A última fronteira e o destino tão ansiado. Estamos de regresso, mas também estamos a dizer adeus. Adeus às pequenas diferenças e hábitos que construíram casa em nós no último ano.
Adeus às dúvidas de leitura nos supermercados ou nas placas de sinalização.
Adeus aos sons diferentes de outras línguas.
Adeus às sabores de cada país, às imagens de diferentes construções.
Adeus às taxas extra sempre que telefonamos ou usamos o multibanco.
Adeus às feições diferentes das diferentes nações.
Adeus aos outros fusos horários.
Adeus às pequenas diferenças que se tornam familiares e bem vindas depois de passarmos algum tempo noutro país.
Adeus ao não nos fazermos entender.
Adeus...

Entrámos lentamente na aldeia... Parámos numa fonte à entrada da localidade e ouvimos umas pessoas a falar. Suou estranho ao início, mas reconhecível. Como algo que sempre soubemos, mas que esquecemos que sabíamos. A primeira pessoa que vimos, um pedreiro a trabalhar naquilo que nos pareceu ser a sua casa.
Dizemos boa tarde e apesar dos olhares estranhos (estamos de biclas carregadas), as pessoas respondem de volta.

Terminamos os quilómetros que faltavam até Almeida. Também não esperávamos isto, embora o Nuno já nos tivesse avisado. Dois conjuntos de muralhas em forma de estrela, rodeiam a cidade. Ainda um pouco atordoados, como se fosse um monumental "jet lag" de viagem, estacionamos na Praça da República. A Ana vai a uma mini-mercado. Estamos habituados a comprar pão nos mercaditos de aldeia. Aqui não. Somos encaminhados para a padeira da cidade. Enquanto vamos para lá, olhamos para os transeuntes. São mais morenos. São familiares e estranhos ao mesmo tempo. Quando falamos com a padeira e a senhora do posto de turismo, o sotaque relembra-nos o quão ao Norte nos encontrámos.

Mas o sol não liga às horas, embora tenhamos "ganho" mais uma ao mudar de país. Depressa a luz se esvai. Tentamos a nossa sorte nos bombeiros, com palavras em português tímido. É de loucos pensar em acampar nos campos e florestas com um frio destes. Mas eles estão em fase de mudança de instalações e por isso não podem receber-nos. Mas prontamente telefonam ao encarregado das instalações dos escuteiros e em menos nada, estamos a seguir um carro na neblina cerrada que se instalou entre as duas muralhas.


Carregamos as meninas para o antigo paiol, remodelado para receber grandes grupos, escuteiros ou viajantes extraviados de bicicleta que há mais de um ano que não pisavam a sua pátria.
O nosso cantinho...


...há um ano atrás: Tarasteix - Villeuve-de-Riviére

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