Serpa - Mértola

O tão temido frio de Dezembro, não chegou a entrar na tenda. Foi a "última" vez que dormimos na nossa tenducha, nesta viagem, e mesmo com uma vareta partida, uns fechos a ameaçarem falhar, alguns sinais de desgaste no interior e um carunchoso avançado, portou-se à altura das melhores. Não nos deixou ficar mal.


Como o dia iria ser pacífico e as distâncias não muito longas, demorámos o pequeno-almoço. Nas calmas e a aproveitar ao máximo o sol, deixámos Serpa por volta das nove e meia. Seguimos as placas a indicarem Mértola e Mina de São Domingos e durante trinta e sete quilómetros, tivemos a estrada por nossa conta, num Alentejo diferente do que vêem nos postais. O Alentejo do Guadiana.


Aqui, as planícies são escassas, mas nem por isso sentimos que andamos a queimar combustível com subidas e descidas. São calmas, e suaves. Sem stress. A estrada meandra por entre vales e cerros, montes e colinas por ela cortadas. Quando o horizonte se assoma, é um sem fim de mais montes pacatos e verdes. Sobreiros, azinheiras e oliveiras, polvilham a paisagem, sem nunca a dominar. Sente-se o espaço.
De vez em quando, passamos ao lado de uma vila ou aldeia. Perdidas e isoladas neste mar de colinas, o habitual branco e azul. Tudo é calmo e tranquilo. É domingo e as poucas pessoas que vemos, estão sentadas às suas portas, a descansar e a aproveitar o não usual sol e calor de Dezembro.


Pintada na estrada, a intervalos regulares, uma velha conhecida nossa. Os olhos já estão treinados para ver a seta amarela, e foi com agrado que a seguimos, na direcção oposta. O Caminho de Santiago.
Este, deve ser um dos caminhos menos usado. O Caminho Português do Este, que inicia em Tavira, onde a nossa viagem acaba, e atravessa Alcoutim, Mértola, Serpa, Moura e por esse lado do país segue sempre para Norte, até se juntar em Espanha, a outro Caminho. Mais uma vez, imaginámos como seria caminhar por aqui.


Virámos para a Corte do Pinto. Uma aldeia, escondida mas não sem vida, no Alentejo profundo. Tal como o pai, também a mãe do Alexandre não quis esperar que o filho chegasse a Tavira para o ver. Marcámos encontro na aldeia, onde familiares ainda vivem. Desta forma, podemos visitar todas as nossas origens nesta viagem. Bairrada, Atouguia da Baleia, Forte da Casa, Corte do Pinto e Tavira.
A casa da tia Maria e do tio Manuel, fica no centro e quando estacionámos os nossos camiões a pedal, os caçadores e nativos que conversavam no café em frente, pararam tudo e ficaram especados a olhar para nós a bater à porta. De lá saiu a mãe do Alexandre, e após cumprimentá-la e aos donos da casa, ficámos nós especados a olhar para o Miguel. O tempo também passou por aqui, durante o ano que andamos lá fora. Não parece muito, um ano... Mas parece que foi há uma vida atrás, que o Miguel era um fusili de treze anos. Agora virou spaguetti de voz grossa, com quatorze!
Estamos em família, mas também no Alentejo. Comprovámo-lo ao almoçar um ensopado de borrego, umas azeitonas e uma chouriça assada. Tudo com o belo do pão alentejano ao lado.
Com Mértola a poucos quilómetros dali, não tivemos pressa. Com calma e sossego, almoçámos e conversámos, no quintal. Abrigados do vento e ao sol, enquanto observávamos o Miguel a construir uma fisga de uns ramos de azinheira.


Dissemos os até manhãs, pois esperamos chegar a Tavira amanhã, e antes do sol se pôr, cruzámos as colinas que restavam até Mértola.
Mais uma vez nos lembramos de como a nossa época favorita para viajar é longe do Verão e aos domingos de preferência. Depois de irmos pedir aos bombeiros se nos podiam acolher, fomos cirandar pela cidade, até fazer tempo para a miudagem que ocupava o espaço onde iríamos dormir abalasse.
Com a luz mágica no ar, passeámos pelas ruas desertas, imaginado como seria viver por aqui.


Voltámos ao quartel, quando o frio se instalou no ar, vimos um pouco do filme da TVI de domingo, com uns robôs a destruir todo o mundo com pipocas e efeitos especiais a saltar por todo o lado. Quando nos cansámos, retirámo-nos para os nossos aposentos de quinze metros quadrados! Acho que podemos riscar da lista, que nesta nossa viagem pela Europa, já dormimos num salão de festas.


...há um ano atrás: Gonfaron

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