Carreira - Atouguia da Baleia

Excesso de confiança.
É a característica que está a sobressair em nós, no que toca a andar de bicicleta e atravessar grandes distâncias. De que forma se explica que nos propuséssemos a fazer mais de oitenta quilómetros e apenas tivéssemos saído de casa às onze?! Seja o que for, foi isso que aconteceu.


Depois de um belo pequeno-almoço na companhia da Mónica e da Annie, dissemos os adeuses. Ou até logo!

A estrada já era para nós uma conhecida. Já a fizemos umas quantas vezes no passado, nos dois sentidos. Mais do que um desenrolar de novas paisagens, passámos o dia a relembrar velhas imagens.
Não parámos. Até chegar à Nazaré, e enganar os estômagos durante meia hora, não parámos. Fizemos Carreira, Amor, Marinha Grande, Nazaré, São Martinho do Porto, Caldas da Rainha, Óbidos e Atouguia da Baleia numa monumental pedalada non stop de seis horas. E ainda assim, já era de noite quando subimos a Rua Direita da vila final. Batemos o record de velocidade média, uns dezasseis quilómetros por hora.


Talvez também seja a falta de desafio.
Já estamos em casa, as estradas não são novas, pedalamos de casas de amigos para casas de família. Algo está a faltar. O factor desconhecido e surpresa. Já não fazemos campismo há algum tempo e sentimos falta. A última vez que montámos a tenda foi em Espanha, antes de começar a fazer o Caminho de Santiago. Já não usamos o fogão para cozinhar, ou temos a preocupação, sempre presente, de ter comida nos alforges ou refeições mais compostas.
Sentimo-nos a amolecer e a abrandar e puxamos os nossos limites um pouco mais em busca de novidade.

O pai do Alexandre não resistiu. Quando parámos para beber água, à saída de Óbidos, um carro parou à nossa frente e de lá saiu uma cara conhecida. Demos os abraços e beijinhos à pressa, pois não havia tempo para grandes conversas. A noite estava a chegar rápida e ainda nos faltava uma hora de selim.

Até a Serra d'el Rei perdeu o encanto. Lembrávamo-nos de uma grande subida a certa altura. Uma longa estrada que nos levava ao topo e nos roubava o fôlego. Já não. Serviu para aquecer e pouco mais.

Passámos a barreira dos quatorze mil quilómetros no topo, já de noite, e descemos os restantes oito quilómetros até à Atouguia da Baleia, com as luzes de Peniche a dominar a escuridão.
E chegámos. Estávamos na Rua Direita mais uma vez. Tudo parece igual e imutável. Tocámos o sino,e o avô Mayer veio abrir a porta com um sorriso e uns grandes abraços. Minutos depois a avó Lisete também nos veio receber, e sem darmos por isso, seguimos a corrente e encontrámos de novo o lugar à mesa da cozinha.

Tudo é bom e estranho ao mesmo tempo. Tentámos não dar muita atenção à estranheza. São os últimos esforços da "viagem" a tentar não ser posta porta fora dos nossos "eus".
Há dias que viajámos em território familiar, entre amigos e família. Mas ainda vai demorar tempo até nos sentirmos em casa. Até lá, deliciamo-nos com as comidas d'Avó e com o redescobrir de velhas indumentárias no armário. Roupa nova! Depois de uma ano com as mesmas roupas, já estão tão gastas que todos os dias temos um buraquinho novo. E o que dizer das cores  comidas pelo sol! Qualquer par de calças e t-shirts deixadas para trás, são um presente de Natal!


...há um ano atrás: Carcassonne – Narbonne

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