Atouguia da Baleia - Forte da Casa

Da Atouguia da Baleia para o Forte da Casa foi difícil sair. A avó do Alexandre encheu-nos os sacos de comida e as despedidas estenderam-se mais que os planos. Parecia que iamos atravessar um deserto de quinhentos quilómetros! Vá de carregar maçãs, caixas com fatias douradas, bananas, sandes de carne assada, doces de abóbora, bolo doce... Ufa! "São só oitenta quilómetros e chegamos a casa. Não é preciso tanto!", eram frases que soavam na cozinha e saiam pela porta da garagem...


Mais uma fotos e de novo nos fizemos à estrada. Nada que não tenhamos já feito. Fizemos este mesmo trajecto, mas no sentido inverso. Já lá vai um ano!

Assim como o trajecto da casa da Annie até à Atouguia da Baleia, hoje foi um relembrar de velhas estradas.
A paisagem e a estrada foram surgindo nas nossas memórias. "Ahh! Lembro-me desta estrada!", "Parámos aqui para fazer xixi!". Uma sensação estranha, esta vividez de lembranças tão forte.


O trânsito estava intenso. De certo modo ainda nos aborrece, mas já o encaramos como ossos do ofício. Estávamos a tomar a direcção de Lisboa! Mais ou menos. Nem de longe é Lisboa, o Forte da Casa, mas é um dos grandes dormitórios da capital. A interrupção do Caminho de Santiago, os dias precedentes de Verão nas planícies espanholas e os parcos dias de pedal em Portugal por aldeias, vilas e cidades mais tranquilas. Saudades...

A  partir do momento em que saímos de Torres Vedras a estrada tornou-se mais calma, não a mais calma, mas razoável. Estreita e às vezes o alcatrão tem demasiados remendos. Não impediu que aproveitássemos o solinho e a vista dos topos. Sobral de Monte Agraço e Arruda dos Vinhos ficam nas alturas dos montes e lá nos divertimos a suar que nem Agosto, para chegar a estas cidades.

Mas ao entrar no Vale do Tejo... PUM! Foi como se tivéssemos atravessado algum portal mágico para a dimensão do smog, neblina e do cimento, com uma estrada a ligar tudo isto e a manter reféns nas suas prisões de metal com rodas, centenas de automobilistas no seu regresso a casa. A N10!

Voltámos a vestir os casacos. Pelo aspecto da coisa, o sol ainda não brilhou aqui hoje. O que não ajudou a dar cor ao cenário. Fábricas, armazéns, encafuados uns nos outros. Prédios, vivendas e construções sujas de anos e anos de tubo de escape. Tínhamos esperança de ver o Tejo, mas hoje ficou-se pela ilusão. O que se passa aqui? Nós já vivemos aqui... Como?

A poucos quilómetros de casa, parámos para comprar uns pacotes de aveia e assegurar os bons hábitos matinais ensinados pelo Keith e pela Cathy, em Ostuni. Enquanto um se enfiou no supermercado alemão, o outro ficou, como sempre de guarda às meninas. Um senhor, já de certa idade, que se preparava para subir para a sua lambreta, começa a falar comigo num português estranjeirado. "É alemão? Vêm de Inglaterra". Tive alguma vontade de responder: "Venho do Forte da Casa, a três quilómetros daqui! Existem portugueses a viajar de bicicleta e às vezes moram mais perto de si do que pensa!"
Mas não... fiquei pelo: "sou português" e bastou-me o ar de dúvida e de desconfiança que se segui no senhor, para ter a certeza de que fiz bem em não prolongar a conversa.


Ultrapassámos mais uma dezena de carros, entalados na hora de ponta, virámos para o Forte e entrámos na Praça das Flores. De flores, já não tem nada. Será que alguma vez teve?
Rapidamente, encostámos as bicicletas, tirámos os alforges, enfiámos tudo dentro do prédio e até à porta de casa.
A Ana toca à campainha, ouve-se uns passos e um ladrar, e logo a seguir, a mãe abre a porta à sua filha. Um ano depois...

Estamos de novo em casa.


...há um ano atrás: Palavas-les-Flots – Générac

1 comentário:

mariotrindadept disse...

Vocês são espectaculares, obrigado pela boleia e pelos bons momentos de leitura.