El Camino de Alexandre - Last days

18 de Novembro de 2011 - A Siciliana.

Hoje, estávamos nós os três numa cidade durante a hora do almoço, quando decidimos que era boa altura para parar e comer, e começámos a procurar um nicho de cimento ou um jardim, com as condições ideais. Abrigado do vento, com um pouco de sol e de preferência, longe dos olhares curiosos.
Seguindo as setas amarelas, fomos dar ao albergue da cidade, que ainda estava fechado. Como tinha um bom pátio, armámos ali barraca e iniciamos a elaboração do almoço. Sandes de tomate e atum, enchidos, salada de alface, rúcula e agrião, dióspiros, maçãs e laranjas. Um belo repasto.

Estendidos no chão, sobre os ponchos e a rir de boca cheia, eis que uma rapariga de mochila, aparece na rua e começa a falar connosco.
Nesta altura do campeonato, já é tão natural e corriqueiro as mesmas perguntas saírem da boca, sempre que vemos alguém novo. De que país és, onde e quando começaste a caminhar, para onde vais e que farás quando terminares. De certa forma, são as mesmas perguntas que fazíamos durante a viagem de bicicleta, quando encontrávamos outros compatriotas viajantes. Apenas as condições mudaram.

Esta rapariga, vinha de Itália. Nós, que adoramos o tempo que lá passámos, já quase nem perguntamos de que parte do país vêm, na esperança de termos algo em comum. Pelo vistos, os italianos que viajam, vêm sempre do Norte e nunca do Sul. Até agora. Esta peregrina, é do interior da Sicília! Finalmente, alguém que provém de um local que conhecemos. Rapidamente os sorrisos tornaram-se ainda mais longos e a conversa desenvolveu além do habitual. Falamos-lhe da nossa passagem por lá e da nossa viagem de bicicleta. Ela falou-nos da viagem dela. Trabalhou na Suíça durante algum tempo até que a vida lhe pediu algo mais e fez-se à estrada até Santiago, a partir da Suíça. Adorou, claro está.

Agora estava a fazer a Via da Prata, o Caminho de Santiago que começa em Sevilha. A seguir, planeava fazer o Caminho Português. Andava à procura de um sítio onde viver.
Falamos sobre as diferenças entre cada um dos caminhos. Que o Francês, o nosso, já estava demasiado comercial, turístico e povoado. Que o espírito se estava a perder. Que na Via da Prata, ainda podemos encontrar a solidão e o tempo de reflexão que o peregrino procura quando caminha. Existe muito pouca gente a fazê-lo, em especial nesta altura do ano, e os albergues ainda não se tornaram máquinas de fazer dinheiro. Os hospitaleiros, ainda são isso. Hospitaleiros.
Que o Caminho Português, ainda é o mais "puro" de todos, talvez. Não existe uma rede de albergues. Os guias ainda estão por escrever e pouca informação está disponível na net.
De certa forma, é o mais próximo do espírito original da peregrinação. Onde não será suposto contarmos com uma cama quentinha ao fim do dia e com um supermercado a cada cinco quilómetros, com setas amarelas a iluminar os nossos passos. Que o Caminho Português obriga-te a ser flexível, força-te a sair da casca e entrar em contacto, ainda mais, com a povoação e com a ajuda dos estranhos.
Nós, que já andamos cansados de tanto "chupanço" de dinheiro, à custa dos peregrinos, partilhámos com ela as mesmas ideias e todos ficámos com o bichinho de tentar o Caminho Português.

Falámos sobre o Caminho, sobre a Sicília, sobre o Norte da Europa e sobre o Sul. Que todos adoramos o Sul da Europa, onde as pessoas e o clima são mais quentes e afáveis. Sobre a bondade das pessoas em todo o lado do mundo e sobre as pequenas diferenças que nos unem a todos. Falámos durante mais de uma hora, até que o albergue abriu e a siciliana entrou para almoçar.
Durante uma hora, foi como se estivéssemos de volta à bela Sicília. Foi como se estivéssemos ainda a descobrir o bom que é viajar de bicicleta. Demos-lhe o nosso contacto, caso pensasse em começar o Caminho na Igreja de Santiago, em Tavira.


19 de Novembro de 2011 - A última caminhada.


O último dia de caminhada a sério, teria de ser um longo dia. Mais de trinta quilómetros para acabar em grande!
Não fizemos grandes planos, nem preparámos banquetes de despedida. Foi mais um dia de caminhada. Igual e todos os outros e diferente em todos os aspectos. Tal como todos o foram.

O céu azul e o sol pela manhã, prometeram e cumpriram, ao entregar-nos um dia glorioso. Sem vento ou chuva e com um calorzinho agradável.
Todo o dia a subir e descer colinas esquadrinhadas por sebes, florestas e caminhos rurais. Sempre a atravessar as vilas mais pitorescas e pequenas, passando pelas igrejas de cada uma, por muito pequenas que fossem. De vez em quando, lá seguíamos paralelos a uma estrada mais movimentada. Santiago de Compostela, é no fim de contas, uma grande cidade e capital da Galiza.
Mas foi um bom dia. Sem dores e cheios de energia. Com sestas em jardins ao almoço, e  florestas mágicas para o lanche. Com pontes romanas sobre riachos e viadutos sobre autoestradas.

Ainda assim, trinta e quatro quilómetros custam, e quando chegámos ao Monte do Gozo, não pudemos deixar de sentir o alívio que apenas se sente no fim de uma longa caminhada.
O funcionário do albergue, não era voluntário, mas hospitalidade não lhe faltava. É o fim do Caminho, de certa forma. Ele sabe-o e recebe por isso as pessoas como se acabassem de conquistar a montanha mais alta. Entre risotas e galhofa, meteu-nos aos três num quarto só para nós, para um merecido descanso físico e social.


20 de Novembro de 2011 - Santiago de Compostela

Cada um de nós saiu sozinho, sem combinarmos nada entre nós. Cada um tinha a sua forma de entrar consigo mesmo em Santiago. Ao mesmo tempo, ninguém queria falar sobre o que seria inevitável no final deste dia. Teríamos que nos separar e dizer adeus.

É domingo, e o comércio foi reduzido aos mínimos habituais de Espanha. Como estamos em modo peregrino, as ruas são nossas ao entrar na cidade e ao caminhar os últimos quatro quilómetros até ao centro histórico e à catedral.
Depois de tudo o que passámos e sentimos neste mês, a sensação de ver a catedral e a realização de que o caminho terminou, deixa-nos atordoados. É muito difícil articular pensamentos ou arrumar sentimentos ao entrar na praça da catedral de Santiago de Compostela.

Entrei sozinho na praça, mas esta já estava repleta de peregrinos. Não só de hoje, mas dos dias anteriores também. Pessoas que decidiram ficar mais uns dias em Santiago, antes de regressar às suas vidas. Ricardo, da Itália, Joel, das Ilhas Maurícias, Sebastian da Alemanha, Shaun da Inglaterra, Enzo, de Itália, Júlio, de Espanha, Kim e companhia da Coreia do Sul. Estavam lá todos ou foram chegando com o decorrer da manhã. Havia mais. Muitos mais que não sabíamos o nome, mas já os tínhamos visto num ou outro albergue ou num ou outro recanto do Caminho e por isso, eram como velhos amigos.
A Ana também andava por ali, assim como a mochila inconfundível da Reyn.
Fomos todos à missa do meio dia, juntamente com os turistas de autocarro e as pessoas que ali vivem e todos os domingos se sentam no mesmo banco da igreja.
Era dia especial. O Bispo de Espanha foi dar a missa e por isso tivemos direito a ver o famoso e fugaz fumeiro gigante, que apenas se assoma em alturas especiais. A nossa chegada a Santiago teve por isso um gosto ainda mais especial. Pelo fumeiro e pela Kathrin! Ela soube que o fumeiro iria sair, por isso acelerou o passo e voltou, mais uma vez e pela última, a apanhar-nos!

Era o último dia e toda a gente cá estava. Menos o Santi, de quem nos despediramos à quatro dias. Ele queria fazer a Galiza sozinho e planeava chegar amanhã de manhã.
Ao fim da tarde, fomos ao Parador de Santiago (tipo um hostel de ricos, mas muito mais bonito) e conseguimos lugar para receber três das dez refeições que o Parador oferece aos dez primeiros peregrinos que cheguem.

Já de noite, depois de dizer adeus a toda a gente, fomos os três para a paragem de autocarros, sem ninguém falar do inevitável e a dizer piadas sem graça para desbloquear o clima que existia entre nós. Acho que todos queríamos prolongar ao máximo o tempo que podíamos estar juntos. Mas não havia volta a dar. A Ana e eu, tínhamos um autocarro para apanhar no dia seguinte às sete da manhã e não sabíamos onde iríamos passar a noite. A Reyn tinha que aguentar aqui mais uns dias e fazer tempo até ao seu voo, na quarta-feira. Ela ganhou coragem, levantou-se, abraçamo-nos e despedimos.

A Reyn desapareceu rapidamente pela porta do terminal, antes que ela pudesse ver os nossos olhos lacrimejantes ou nós os dela. Ás vezes a vida prega-nos partidas e surpresas destas.
O vazio que ficou cá dentro, foi maior do que a catedral de Santiago de Compostela.

Sem vontade de dormir na rua, caminhamos cabisbaixos na calada da noite os quatro quilómetros que nos separavam do Monte do Gozo, e convencemos o guarda, para nos deixar pernoitar mais uma noite no albergue.

Foi assim o nosso Caminho de Santiago. Foi com a Reyn. Encontrámos a nossa irmã perdida e perdemo-la outra vez.


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