Dueñas - Castromonte

Pablo é sempre o primeiro a acordar nesta casa. Dissémos-lhe adeus enquanto ele ia em bicos nos pés do seu quarto para a cozinha, passando por nós, ainda meio a dormir no sofá. Entre a escuridão e as portas e olhos semi-abertos, percebemos que a Cláudia já estava a estudar para o exame de hoje.


Entre o pequeno-almoço descafeinado com a Maria e o Albierto, a despedida fugida da Cláudia que já ia atrasada, e o aprender de novo a encaixar os alforges, era quase uma hora da tarde quando finalmente re-aprendemos a pedalar de bicicleta. Dissemos adeus a esta família que mais parece a nossa.

O céu azul e o vento de feição, auspiciavam uma bela tarde de passeio até à vila de Castromonte. A uns meros 50km, devíamos lá chegar a meio da tarde e pôr em prática o nosso plano de atravessar Espanha, evitando as noites frias. Vamos cruzar os outros caminhos de Santiago. O que vem de Madrid e a Via da Prata, que começa em Sevilha, pernoitando nos albergues. Ainda temos a credencial de peregrino na mão e pretendemos dar-lhe uso enquanto pudermos.


Mas... Já não temos as práticas ciclistas afinadas na perfeição, as pernas habituadas, ou as rotinas bem oleadas. O belo passeio, tornou-se num pequeno calvário e corrida contra o sol que é mais rápido que nós a esconder-se do frio. Não encontrámos a estrada certa e acrescentar mais uns dezoito quilómetros às pernas também não ajudou, assim como o simples almoço de pão com marmelada. Depois de um mês a comer marmelada todos os dias, ela vai perdendo o seu encanto...

Já com estrelas no firmamento, entramos em Castromonte. Perguntamos a umas senhoras pelo albergue. De casa em casa, de boca em boca e depois de uns telefonemas, lá estávamos nós a ser recebidos pelos funcionários da junta, que antes de nos deixarem, convidaram-nos para merendar nas festas da vila, lá para as oito da noite.
O albergue era só para nós e com a rotina de peregrino ainda bem presente, um fez logo o inventário do material e comida disponível, enquanto o outro escrevia.

Um arroz com chouriço mais tarde, um passeio de cinquenta metros, e entrámos num armazém onde os nativos da vila se juntavam entre uma nuvem de fumo de cigarro (estamos em Espanha), a petiscar chouriços, presuntos e bolos. Mal entrámos fomos logo recebidos com uma bandeja de bolos e bolinhos. Encaminharam-nos para o alcaide a quem apertámos a mão, e a uma portuguesa oriunda de Alcântara, que aqui vive com o marido espanhol há doze anos. Este ofereceu-nos um cuba libre...

Não ouve tempo para muitas conversas, pois de repente uns gritos atrás de nós desviaram a atenção de todos os presentes. Um senhor já mais velho caiu. Estamos numa pequena vila, onde toda a gente se conhece e por isso todos querem ajudar. Acotevelaram-se ao redor do velhote, com uma das suas filhas a chorar e aos gritos. A Isabel, a portuguesa, explicou-nos quem era quem e que nos últimos três dias, houve três funerais de filhos da terra. A festa de repente, virou para algo bem diferente...
O senhor não melhorava apesar dos esforços da irmã do alcaide que era enfermeira. O desespero de muitos, fez com que uma ambulância fosse chamada. Esta apareceu vinte minutos depois, para levar o senhor. Pelo que percebemos, foi um pequeno enfarte. Esperamos que fique bem, pois não mais o voltámos a ver nessa noite.
Ainda nos aguentámos no armazém da festa mais um bocado, mas a vontade de celebrar fosse o que fosse já se tinha perdido.

Dissemos adeus a todos, e voltámos para o albergue quentinho...


...há um ano atrás: Saubrigues

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