Petrosino - Ribera

Não se fala muito nisso, mas sabíamos desde o início que, eventualmente, alguns acontecimentos iriam ocorrer:
Pedalar todo o dia sob forte chuva.
Não viajar, mas pedalar.
Atravessar pontes, túneis, viadutos em estradas que mais se assemelham a auto-estradas.
Subir e descer montes, desprovidos de nativos e sinais de cidades durante quilómetros.
Passar todo o dia com os pés molhados.
Levar com lama na cara.
Ficar perdidos em cidades mais pequenas e em estraditas.
Ultrapassar a mítica barreira dos 100 km num dia.
Beber um chá inglês.
Sabíamos tudo isto desde início. E mais outras também. Mas nunca se fala muito nisto. Para quê? O que nunca pensámos é que tudo se iria passar num só dia, no primeiro dia de sério pedaleio Siciliano.
Andrea dormia, depois de mais uma noitada ao computador. As despedidas ficaram para o dia anterior. O dia iria ser longo até Ribera, quanto a isso não havia ilusões. Apenas algumas esperanças de que o tempo fosse misericordioso. Mas não...
Em vez das 7:30 planeadas como hora de partida, eram 8:30, quanto nos sentámos no selim. Que estava molhado.
Ao abrir a porta de casa, a chuva caía, e não era pouca. Resignados a um dia infeliz de estrada, lá pedalámos em direcção aquela que será a nossa principal casa na Sicília. A Strada Statale 115. Segundo nos contaram, construída sobre a antiga estrada romana que percorria toda a costa siciliana. Como boas vindas ao entrar em "casa", levámos com carros e camiões, motas e tractores, todos numa acelerada pressa para nenhures e a cuspir água para as bermas, já por si preenchidas de pequenos lagos e rios de chuva. Adivinhem lá quem é que estava nas bermas? Não foi bonito.
Ao chegar à localidade mais próxima, bonito não ficou. A chuva intensificou-se, as direcções oferecidas pelos nativos eram paradoxais e as calças descobriram por momentos as botas, permitindo um aconchego nos pés durante todo o dia, como só meias e palmilhas molhadas conseguem dar, quando combinadas com um pouco de frio.
Que bem que soube, por isso, descobrir que a estrada onde pedalávamos há alguns minutos, era a estrada errada. Certa mas errada, acrescentando uns simpáticos 15 km aos 90 km profetizados pelo Google Maps no dia anterior.
Que bem que soube a chuva intensa toda a manhã. Os pés molhados. As desertas estradas de campo como alternativa à SS 115, com inclinações de tractor.
Que bem que soube voltar à SS 115 e vê-la transformar-se numa via rápida. Com longos viadutos gigantes, onde a berma era uma queda de 50 metros lá para baixo. Que bem que soube entrar no primeiro de vários túneis. Uns curtos, outros longos. Uns iluminados, outros não. Todos sem berma e todos intensificadores do som, e do medo, que se sente ao ter camiões a menos de 1 metro de nós.
Que bem que soube ver o conta quilómetro chegar aos três dígitos, e receber como recompensa mais 4 km sempre a subir até Ribera.
Que bem que soube, por isso, ser recebido pela Federica, com um chá preto, leite e biscoitos, depois de lhe encher a casa de lama e roupa mal cheirosa. Tomar uma banhoca quentinha de chuveiro, numa banheira com cortina (algo que os italianos não usam, vá-se lá saber porquê!). Presentear o nosso estômago com  pasta, spaghetti com azeite e alho e umas especiarias mais, pão e salame, laranjas da Sicilia e colhidas em Ribera, terra dos citrinos por excelência. Encher as nossa mentes com conversa em inglês/italiano/espanhol, até o João subir às pestanas.
Que bem que soube entrar na cama e dormir secos e quentinhos, sem despertador para amanhã.
Que bem que soube...

1 comentário:

Anónimo disse...

Meus amigos....não me digam que queriam que tudo fossem rosas nesse jardim que é a vossa viagem...de que forma é que poderiam dar valor a uma cama quentinha, a um duche quentinho, a uma comida quentinha, se não fosse uma viagem fria??
Vá, voçes não queriam que eu estivesse sempre com inveja não é?
Enfim...a seguir a um dia muito mau vem um muito bom por isso...keep on moving!
beijos e abraços quentinhos...
R.