Elsterweda - Leipzig

O sofá que é tão largo que parece uma cama. Ainda me surpreende o quão fácil é dormir e acordar numa cama diferente quase todos os dias. Ás vezes temos o chão, encafuados entre as os alforges e as mobílias da casa. Outras temos um sofá, numa sala ou quarto, outras ainda, uma cama numa mansão. Às vezes temos janelas. Outras não. Os vizinhos ouvem-se através das paredes, nos prédios. Os passarinhos, quando é uma casa do campo.
Não ouvimos passarinhos, mas o sol a entrar pela janela, anunciava um dia soalheiro.

Com a Kerstin, tomámos um pequeno-almoço relaxado, conversando sobre qual o melhor caminho para sair da vila e atravessar os campos, pelo labirinto das estradas campestres. Os talheres chocavam com os pratos,a salsicha cortada e o ovo mexido empurrados para cima do pão.


Apontámos no papel as vilas a passar. Vimos e revimos o Google maps, durante o fim-de-semana. Mas uma coisa é o ecrã. Quando se está mesmo lá, e as árvores escondem as referências, as estradas bifurcam-se sem sinalizações e tudo parece igual, a história é outra. Valha-nos o sol. Esse não engana e orienta-nos na direcção certa. Oeste. Mesmo que andemos aos zigue-zagues pelos campos, entre estradas e ciclovias, asfalto e terra batida, lá vamos pedalando na direcção certa.

Tudo estava presente para um dia magnífico, em cima de bicicleta. Os campos alemães, com as florestas a fazerem as vezes de ilhas e a estrada a serpentar por entre elas e através do arvoredo. As estradas secundárias a ligar as pequenas vilas. O parco trânsito e o ocasional tractor. As nuvens... Quando se viaja em planícies e as nuvens pintam o céu, podemos vislumbrar e ter alguma percepção da enormidade que é a abobada celeste. Hoje foi um dia desses. Todos os tipos de nuvens a passarem por nós. Cinzentas e ameaçadoras, fofinhas e rechonchudas branquinhas. Difusas e sem forma lá bem em cima. Gigantes brancos que se escondem no horizonte longínquo da planície. Hoje foi possível ver e ter a noção de passar sob três conjuntos de nuvens. Passar, não. Ser passado! Pois são as nuvens que se movem com rapidez lá em cima. E sempre que uma "camada" se aproxima de nós, é como se um muro de chuva se aproximasse. Por vezes víamos uma porta por onde podíamos atravessar secos. Outras, tivemos que procurar abrigo na primeira garagem que se apresentou.


Tal como disse, tudo estava presente para um dia magnífico. Tudo, expecto o vento. Já há algum tempo que não tínhamos um dia assim. Em que temos que procurar conforto nas paisagens e nas imagens que passam por nós, para esquecer que estamos a levar com uma ventania de frente, nos últimos 20km. com chapadas de lado, durante 40km. Para esquecer as mudanças de montanhas inclinadas que usamos em terreno plano, por causa do senhor vento.
Foi assim todo o dia. A pedalar por planícies em direcção a Leipzig. Sempre contra o vento.

Mas não fazíamos ideia de quão grande era Leipzig e ainda a dez quilómetros da cidade, uma senhora na estrada a acenar-nos e a avisar-nos que eram proibidas as bicicletas nesta estrada. Mais à frente um sinal, alertava-nos do mesmo. O que fazer então, quando não se vê alternativas à nossa volta e sol já toca no horizonte, levando com ele a luz do dia?
A  Ana, aponta para um caminho de terra batida que segue mais ou menos a direcção da estrada proibida. Descemos com as biclas por ele e seguimo-lo, inseguros do seu destino. Um senhor na vila a seguir, abana a cabeça, negativamente, ao ouvir a palavra Leipzig e segue caminho sem sequer parar.
Andávamos nós a tentar encontrar trilhos e caminhos de tractores que nos aproximassem da cidade, quando isto aparece:


A nossa amiga concha! Aqui têm duas espadas com ela, mas não há que enganar, é a concha que leva os peregrinos até Santiago! Em boa hora chegou, porque de certeza que nos levará, pelo menos, até às portas da cidade. Têm que levar!
Seguimo-la o melhor que pudemos, pois aqui não é tão explícito o Camiño como é em Espanha. Mas lá nos safámos.

E quando a concha desapareceu, já as paragens dos autocarros e dos eléctricos nos rodeavam. uma breve consulta ao mapa dos transportes públicos, uma pergunta gesticular ao motorista do autocarro e lá fomos nós.
Que bem que sabe pedalar na Alemanha. É de noite, estamos numa grande cidade, completamente nova para nós. As ruas cruzam-se por todos os lados e os eléctricos misturam-se com os carros, mas sempre, em algum sitio, existe uma pacífica ciclovia que nos levou pelo coração da cidade e através da confusão, até à casa do Félix e da Christi. Eram dez e meia quando chegámos e o conta-quilómetros marcava 112km. Foi o dia mais longo, dos Nomadiclas, até à data.


Ambos designers e ambos já no fim dos seus estudos, a orientar estágios. Ela na Cidade do México, o Félix algures pela Europa. Ouvimos as suas histórias e contámos as nossas, sobre um prato delicioso de esparguete com courgete e tomate.

De barriga cheia e banho tomado, não havia que enganar onde caímos a seguir. Na cama cosy, que a Christi preparou para nós, entre as mobílias e os alforges, no escritório do Félix.

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