Rethymno - First week

Rapidamente descobrimos que em Creta, o tempo não é uma maravilha todos os dias.


A primeira semana foi tempo de adaptação. Não sabíamos muito bem o que fazer e andávamos à nora entre tentar manter as nossas tralhas secas para a noite seguinte e a tentar encontrar trabalho para fazer. Éramos sete “Helpers” e a maior parte do trabalho já tinha acontecido durante o tempo de aulas. Lá desenrascámos as nossas actividades entre a restauração de um velho jipe, a lavar a loiça e a cozinhar para toda a família. Por vezes éramos 11 ou 12 pessoas e nem sempre era claro o número de bocas à mesa no inicio da confecção alimentar. Muito improviso rápido é palavra de ordem no que toca à comida por aqui.


Todas as manhãs saíamos da cama, e equilibrávamos a tenda sobre quatro cadeiras para que o chão desta pudesse secar. Acordávamos tarde, desnorteados e rapidamente o conforto do saco-cama desaparecia com a confrontação da realidade molhada e lamacenta. Além disso, estava frio. Mas lá nos orientámos ao novo estilo de vida.

Quando não trabalhávamos, o pessoal juntava-se em dois locais, secos. O escritório, dominado pelas Lisa, Tanita e Marisa e a caravana, zona de repouso dos australianos. Nós ligámo-nos desde o primeiro dia com o Alex e a Cassie, por isso a caravana começou a tornar-se a nossa casa de sossego.
Alex e Cassie são músicos e estão a viajar pelo mundo durante um ano. Como bons australianos que são, viajar está-lhes no sangue e esta é a primeira vez que estão a fazer HelpX.


A primeira vez que um de nós teve que lavar loiça na “cozinha” foi um choque. Duas paletes com um tapete húmido serviam de plataforma sob a qual uma torneira cuspia água. A torneira estava a 40 cm do chão e por ali se espalhava loiças, alguidares, tachos, tabuleiros, produtos de limpeza, copos de plástico às dezenas (sobreviventes do dia de abertura do parque), lama, galinhas, pintos, caracóis e vestígios do única gata do parque, que por sinal estava doente e passa o dia a espirrar e a encher tudo à sua volta de ranho. Tão choque foi esta nossa primeira utilização da cozinha que daqui nasceu o primeiro projecto a sério. Vamos fazer uma cozinha exterior!
Agarrámos em tábuas, pregos, parafusos, esquadros, lápis, berbequim e serras eléctricas e metemos a mãos ao trabalho. Tínhamos que aproveitar os dias bons para trabalhar porque quando chove, não há muito para fazer no parque. Ficámos contentes com o resultado e depois de instalada, parecia a estrutura mais robusta das redondezas. No fim desta semana, mais ninguém teve que lavar loiça agachado em ambientes dúbios. A partir daqui passámos a ser os carpinteiros cá sítio!


O Mihalis e os australianos prolongaram o seu dia trabalho, antes de domingo, para conseguirem deixar um sistema de aquecimento de água metamorfosear-se e transformar-se em dois grelhadores gigantes, a tempo da Páscoa.
Estamos na Grécia, e se existe o local no mundo onde passar a Páscoa, é aqui. Mais importante que o Natal, para os gregos, a Páscoa é celebrada com maior ênfase no domingo e é desculpa para piqueniques e reuniões familiares e amigos à volta do(s) cordeiro(s). O fim do jejum de 40 dias.

Com 7 Helpers e as suas pessoa para transportar, o Mihalis e a Susanne dividiram-nos entre o carro e o jipe. No dia anterior algum pessoal se tinha reunido em torno da mesa da caravana e no meio de tachos, panelas e tabuleiros preparámos salada de fruta, cheesecake e salada de couscous, para levar para a festa. Os carro carregados com tudo o que o nos lembrássemos que poderia ser útil para a maior festança da Grécia. E claro os 20 litros de vinho caseiro, que não podia faltar. Por volta das 9 e meia partíamos, já depois da hora combinada, a fazer paragens constantes e sucessivas para comprar 5 quilos de pão, carne, e o Mihalis e a Susanne trocarem impressões de última hora! “Trancámos o parque?”, “Vamos por ali...!”, “Trouxemos isto?”

Chegámos atrasados, mas para os gregos pontualidade não existe! As missas duram 2 horas, e tudo tem uma duração longa para que se possa ir chegando!
Mesmo assim conseguimos ser dos primeiros. Meio envergonhados e sem saber o que fazer, o tio, que já tínhamos conhecido sem saber durante a semana, tirou as vergonhas todas ao pessoal. Distribuiu tarefas com a facilidade de quem está habituado a gerir muita gente, e em menos de nada todos tirámos os casacos, arregaçámos as mangas e nos enjeitávamos a trabalhar. Integração completa! Uns descascavam batatas e cortavam-nas para fritar, outros faziam o seu primeiro turno a rodar o espeto com os cordeiros, outros punham a mesa, e outros tratavam de grelhar a carne no segundo churrasco! Toda a gente estava contente. Os restantes familiares foram chegando ao longo da manhã. Traziam ainda mais comida cozinhada e por cozinhar, o fogão para fritar as batatas, o Raki (igual ao nosso medronho) que se começou logo a beber em copinhos de shot cor de rosa fluorescente. Toda a gente tinha um e ai de quem perdesse o seu. A senhora loira dos óculos de sol grandes não perdoava, perguntava-nos pelo copo de 5 em 5 minutos e reabastecia sem parar e sem se cansar. Nós é que já estávamos cheios e fome e só víamos comida à nossa frente. Parecia que não éramos os únicos e as senhoras da família deram início ao festim assim que se puseram a espalhar comida e a petiscar enquanto o faziam.


O cenário parecia tirado de um piquenique impressionista! O plátano centenário, a mesa comprida, a capela, harmoniosamente, integrados no topo do monte. O sol quente e as sombras a mexer-se, a brisa que se tornava vento mais forte, a música e as conversas, as cores das pessoas e da comida.  Lá ao fundo víamos o fumo de outro grelhador e ouvíamos e víamos outra festarola. E as pessoa que continuavam a chegar. Quase que parecia um sonho! Estávamos em Creta, numa festa de Páscoa. Era o sítio para se estar!

A primeira frigideirada de batatas saiu, a primeira grelhada de carne saiu e toca de passar os tabuleiros diante de toda a gente. Mais gente que chega mais comida que vem com eles.
Os cordeiros grelharam durante 4/5 horas, a meio da manhã as tripas recheadas com fígado juntaram-se a eles na brasa. Pela altura em que o primeiro cordeiro estava pronto já todos tínhamos a pança cheia de carne e batatas! Sempre regados com Raki e vinho. Devo insistir nesta imagem da senhora loira dos óculos grandes a encher-nos os copos de Raki, porque às tantas já todos fugíamos com o rabo à seringa. Os nossos copos partiam-se, ainda estavam cheios, estavam ali,..  qualquer desculpa servia para ela não atestar nova dose. O mesmo foi acontecendo com a carne que saía da outra grelha. Os olhos  transbordavam de comida, as calças desabotoadas no primeiro botão, e nós a dizer que já estávamos bem, obrigado!


O tio era alma da festa. Sob efeitos de vários copos de vinho caseiro girava entre amigos e família a conversar. Dançava sozinho, roía ossos e posava para fotografias. Dormia uma sesta e logo voltava à festa. Tocava o sino com toda a força e dizia num grego alto: Cristo está vivo! Boa Páscoa! Estava feliz!

O DJ do fato da tropa mantinha a música a tocar, e já satisfeitos com alguma comida, começámos as danças. As danças gregas de mãos dadas em círculos abertos com passos para os lados, cruzados em frente e atrás e os Helpers todos a tentar apanhar o passo.


Os canitos eram muitos. Amigos de quem detinha o pedaço de carne na mão, corriam e saltavam nos intervalos entre as grelhadas, e juntavam-se aos nossos pés como crentes de uma seita de comida qualquer!

Quando nos sentámos à mesa a Ana gemia de dores de barriga, o Alexandre estava meio cheio, se é que isso é possível, e os restantes iam pelo mesmo caminho. Comemos lascas de borrego para ao menos prová-lo. O excesso de comida era visível e no final, a mesa continuava cheia de comida. Devorámos um bolo guloso de mel, que ninguém sabia quem tinha feito e o cheesecake, porque as barrigas já não aguentavam mais. Por esta altura fazia-nos sentido haver um jejum a seguir à Páscoa, não antes!

A seguir ao almoço espalhámo-nos como destroços de uma guerra (de comida), a dormitar ao sol. Alguns foram dar a voltinha para desmoer. Quando regressámos/acordámos já se tinha levantado a mesa, junto os restos todos para dar aos animais e arrumava-se as últimas coisas na carrinha de carga do tio.

Nós, Helpers estávamos a cair aos pedaços, mas ainda não era altura de ir para casa! Mais uma paragem para o café num aldeola perdida ali ao pé. Toca de juntar mesas e transportar cadeiras para haver lugares para todos. Fumar uns cigarros, conversas e brincadeiras. Os Helpers, jovens de sangue na guelra não podiam com uma gata pelo rabo, as nossas caras acusavam cansaço e as nossas barrigas prometiam não voltar a comer tão cedo!

 A Páscoa grega arrebentou connosco!

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