Zurawica – Krasne

Choveu toda a noite. E não foi pouco. De vez em quando acordávamos com o som das gotas a baterem no avançado da tenda. Mas depressa adormecíamos, seguros com as estacas e fios que prendiam a tenda, e com a lona que cobria as bicicletas e os alforges. Estávamos todos secos.

Saímos do campo de algodão polaco, rumo à estrada. Que diferença! Aqui, a estrada é boa, mesmo à chuva. As margens são mais do que suficientes para se andar de bicicleta sem medos de carros e camiões a fazer tangentes. Quase tão largas que podemos andar de bicicleta lado a lado, na conversa.

Mas o tempo é cinzento, a pergunta "onde está o Verão?" continua a fazer pop-up nas nossas cabeças e só queremos é despachar este dia. Pode ser que o tempo melhore.

No primeiro multibanco e supermercado, a festa de natal que é recebermos notas novas e coloridas, descobrir novos produtos a novos preços, fazer contas de cabeça para entender o seu valor em euros. Tentar perceber o que está escrito e o que está dentro daquela lata, se aquilo é um iogurte ou se são natas. É sempre divertido entrar num supermercado, pela primeira vez, num país novo.

Numa bomba de gasolina, armamos a barraca do almoço e da roupa suja. Vá de lavar e cozinhar. O sol espreitou o suficiente para levantar a moral e secar as roupas molhadas. Até as bicicletas levaram uma banhoca rápida. Bem que estavam a precisar. Mas ainda não é o banho de imersão que ambas necessitam para se recomporem.


Continuamos a viagem, rumo a Oeste, e ao longo do dia descobrimos qual o obstáculo do dia. A estrada! Que ela é fácil e as margens são seguras e suficientes, já foi dito. O que não foi dito, é que a estrada perde-se no infinito. A paisagem polaca, não é de planícies cicláveis, mas de colinas longas. Muito longas. Demorávamos dez ou quinze minutos a subir uma colina e ao chegar ao topo, podíamos ver que a estrada continuava recta durante mais dez quilómetros. Descendo a longa colina que acabáramos de subir, para logo de seguida subir outra longa e aborrecida colina. E no fim desta, vira o disco e toca o mesmo. Uma e outra vez. Todo o dia com a mesma paisagem de cultivo, a mesma chuva molha parvos, o mesmo tráfico intenso, e um revestimento na pele de poeira e areia fininha. Sem nenhuma diferença ou algo que chamasse a atenção. Algo que destoasse na paisagem. Rapidamente, deixámos de tomar atenção ao que nos rodeiava e tornámo-nos mais introspectivos. Algo que nos faça distrair deste aborrecimento de estrada. Mas não houve...


Ao final do dia, tentámos a nossa sorte nas estradas secundárias, para encontrar um local de campismo. O primeiro que tentámos tivemos que sair de lá, rapidamente. Enfiados numa densa floresta, as formigas eram aos milhares no chão fofinho de folhas. E picavam!
O segundo, perguntámos a umas senhoras que agricultivavam por ali, se havia problema em pôr a tenda debaixo das suas árvores vizinhas. Elas falavam, nós não entendíamos. Elas sorriam e pareciam que abanavam a cabeça. Achámos melhor não, visto que nem era seu, o terreno. O terceiro, já de volta à estrada principal, já serviu. Enredámos por um caminho de erva alta e terra batida e escondemo-nos das casas com umas árvores de um lado e os cereais plantados numa colina do outro. E por ali ficámos. A desenrolar a tenda. A fazer fogo. A cortar cebolas...

De repente, um tipo aparece por detrás das árvores a correr. Enquanto pensamos na melhor maneira de ir falar com ele e explicar a nossa situação e em quais os gestos que vamos utilizar, já ele passou por nós e continuou a correr. Sem sequer olhar para nós! Estava a fazer jogging. Ou não nos viu (improvável) ou fingiu que não nos viu. E enquanto nós falávamos sobre o acontecimento, ele volta. Deu a volta ao campo e está de regresso. Desta vez apanho no olhar dele um relance a nós e às nossas tralhas. Mas foi muito fugaz. Muito rápido. Ele continuou a sua corrida sem quebrar o ritmo e sem mudar de expressão facial. O que se passa com estes polacos? Todo o dia a acenar, a sorrir, a dizer olá. Nada. Nem olham, nem mudam de expressão, sem retribuir nenhum dos nossos gestos. Seremos nós, que já estamos demasiados habituados a chamar a atenção com os nossos trambolhos de duas rodas, ou será que a frieza e cultura ocidental, já nos é estranha? Ainda mais nestes países frios...

Oh! Saudades do agricultor grego que nos oferece leite de cabra fresco quando acampámos no seu campo de oliveiras!
Oh! Saudades do intrometido agricultor turco, que existe em todo lado e nos recebe com um sorriso e uma chá, independentemente, de línguas ou nacionalidades.
Oh, saudades da natureza e campos selvagens da Bulgária, Roménia e Ucrânia!

...mas que terra é esta?

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