Zigoneni - Transfagarasan

Que dia!


Noite sob chuva e um arrumar de tenda com as pingas a cair. Lá nos orientámos para nos despachar e continuar a nossa travessia. Rapidamente, chegámos a Curtea de Arges e por lá nos abastecemos com o que achámos que devíamos abastecer para uma pedalada entre as montanhas. Não foi muito e em retrospetiva, nem pouco mais ou menos!


Os sinais continuavam a anunciar que a estrada estava fechada. Mas de vez em quando víamos uns carros e até uns camiões a vir no sentido contrário e dizíamos para nós próprios, que talvez os sinais estivessem desactualizados.
Será que já estamos no Transfagarasan? Não vimos nada que nos dissesse que sim ou que não. Apenas a paisagem continuava a ficar cada vez mais bela e impressionante. Tal como na Bulgária, a memória dos Pirenéus veio ao de cima. Mas vezes dez! Até algumas casas nos faziam recordar a arquitectura basca.

As árvores começaram a cerrar as fileiras. A Natureza tomou conta de tudo. Os riachos acabaram em pequenas quedas de água, encontrando caminho até ao rio que a estrada segue. As casas começaram a escassear.  Continuámos a ignorar os avisos...

Algures durante a manhã, um camping Drácula junto a um hotel. Um autocarro cheio de miúdos que acabaram de descer uns degraus que entram floresta adentro num imponente penhasco. Pelo vistos lá em cima estava o castelo do Vlad III, o Impalador. Mais conhecido pela escrita inglesa, como Conde Drácula. Algo que os romenos não gostam de ser associados. Não nos demorámos na área. À nossa frente o verde, as pontes, os desfiladeiros e alguns túneis começavam a deixar-se ver. No mesmo campo de visão! Não existem fotografias que mostrem a beleza do sítio.


Começaram as subidas. Muito inclinadas, sim. Mas nem nos apercebemos delas. Estavámos embriagados com a paisagem. Impressionante não é a melhor palavra, mas é a primeira que nos surge.
Pedalámos sozinhos durante a maior parte da manhã. De vez em quando, alguns motociclistas de alforges metálicos e de plástico, alguns sacos estanque e equipados para o que der e vier. A nossa versão motorizada. Com matrículas de todo o lado. Alemanha, Polónia, Roménia, Checoslováquia,  Eslováquia, Dinamarca... Tivemos a sorte de ultrapassar um dos nossos irmão a motor. Não porque fossemos mais rápidos, mas porque ele parou para as fotografias. Metemos conversa.
"You”re going to the top?" perguntou este romeno, num impecável inglês. "Yes", respondemos nós. "You have a loooong way to the top!" respondeu. Perguntámos se sabia se a passagem estava aberta. A confiança surgiu com a sua resposta afirmativa. Tinha vindo do outro lado esta manhã e estava agora a fazer a viagem de regresso. Despedimos-nos, com a seguinte informação: neve, gelo, chuva, vento e frio era o que nos esperava no topo! "You'll have lot's of fun!", disse o moto-viajante de sorriso na cara!


Depois de muita subida, lá nos deparámos com uma gigante barragem, enfiada entre um apertado desfiladeiro e criando um enorme lago atrás de si. De vez em quando sentíamos umas pingas, mas não molhavam o suficiente para sacar a vestimenta impermeável. Junto ao lago, alguns stands com os inflacionados souvenirs e batatas fritas de estropiar a carteira.

A vontade de ligar o fogão não era muita, por isso ficámo-nos pelos pepinos, tomates e sandes de queijo, marmelada e azeite. Não é o melhor combustível para atravessar montanhas e barreiras naturais, mas foi o que nos apeteceu na altura.
Com um sinal de net roubado da pensão ao nosso lado, fizemos algo tão óbvio, mas que não nos lembrámos de fazer em Bucareste, antes de estarmos enfiados em pleno Transfagarasan. Googlar Transfagarasan e ver o que a Wiki nos dizia. Na altura apenas vimos as fotos. Isto foi o que lemos, a poucos minutos de começar uma tromba de água que nos encharcou até aos ossos!

"Estrada mais alta da Roménia, atravessa as montanhas de Fagarasan a mais de 2000 metros de altura. Antiga estrada militar e a via com mais túneis do país. Cinco túneis e o maior e o mais alto, com quase um quilómetro de distância. Um quilómetro de caverna escura, não iluminada esperávamos mesmo antes de chegar ao topo. Estrada esburacada, com curvas apertadas sem railes de protecção, em alguns dos locais mais críticos".
Onde raio é que nós nos enfiámos e tentámos ultrapassar com pepinos e marmelada!?! O topo ainda estava a mais de sessenta quilómetros e não existiam vilas ou gasolineiras pelo caminho!


A estrada que circundava o lago dominou o resto da tarde. Nada de subidas inclinadas. Trombas de água que nunca mais paravam, sim! Estrada em obras e um constante pedido aos nossos reflexos para evitar os buracos, as lombas, e as poças de lama. Em especial junto às quedas de água que transbordavam para cima da estrada. Foi assim o nosso primeiro dia de Transfagarasan. Molhado, exaustivo, com um selim que teimava em quebrar-nos o rabo.
Tivemos um momento interessante em que numa curva apertada a Ana seguia em frente e olhou para cima para ver de onde vinha todo o barulho. Viu uma escavadora a dar uma meia volta completa e a bater num calhauzão que rebolou monte abaixo e passou no único sítio da vedação com buraco e caiu num estrondo em cheio na estrada. É claro que até voltar a ver o Alexandre a surgir logo depois desta cena passaram-se mil segundos até respirar de alívio e ver que estava intacto. Por um triz! Maldisse todos aqueles trabalhadores incautos que permaneceram nos seus postos a assistir à cena!

Mas tudo valia a pena. Apenas um piscar de olhos para a beleza natural que nos rodeava ser o suficiente para nos encher a barriga!


Lembrei-me de ver algumas placas, de manhã, a anunciar um chalé/hotel/pensão ao quilómetro 104 da Transfagarasan. Foi com essa esperança que continuámos a pedalar sob a chuva. O feroz rio que corria ao nosso lado esquerdo, ensurdecia os nossos ouvidos com o som da água a correr. A selva de pinheiros, cedros e vegetação cerrada à direita eliminava as hipóteses de um campismo. Já para não falar da logística de fazer uma refeição à chuva.

Mas algures antes do quilómetro 104, um hotel perdido no meio do nada, assomou-se. Nem pensámos duas vezes. Subimos a rampa de acesso, encharcámos o lobby de entrada e o quarto no quarto andar, com as nossas malas e roupas molhadas. Tínhamos o hotel por nossa conta e um pequeno-almoço incluído esperava por nós na manhã seguinte.

As roupas estendidas sobre o aquecedor. O banho de água quente. O arroz  com lentilhas e couve, enganou a fome. Pequenos confortos ao fim do dia.

E lá fora, através da janela, do conforto do colchão a chuva continuava. Os cedros enchiam as montanhas e as nuvens jogavam às escondidas com os cumes. É assim nos Cárpatos.

1 comentário:

Nuno Vieira disse...

Mesmo com mau tempo, piso muito degradado e trabalhadores das obras com tendências homicidas, começo a sonhar com uma viagem de moto por essa estrada... Transfagarasan...