Sighisoara – Targu Mures

A pergunta tem que ser feita, quando dia após dia, as nuvens são cinzentas e a chuva uma ameaça constante. Onde está o Verão?

Seriam uns pacíficos 50km até ao próximo destino, mas queríamos tentar (como sempre) sair o mais cedo possível. Mas não contávamos com a mãe do Adi. Assim que nos viu, começou a preparar um tremendo farnel para o pequeno-almoço. Vá de ovos, tomates e pepinos, fiambre, pão, leite, batidos, compotas e cereais. Ainda tivemos direito a frascos de compota, mel e mais ovos cozidos para a viagem, apesar das nossas parcas tentativas de a impedir.

De novo os adeuses...

A chuva ameaçava mas não cumpria e nós, aproveitávamos a bonança para continuar a pedala na paisagem campestre da Transilvânia.


Um pouco mais tarde, durante uma subida, reparamos num carro de feições familiares estacionado e de portas abertas, com duas pessoas cá fora. O Adi e Alexandra, a caminho de Targus Mures, não quiseram deixar nos dizer olá e de nos entregar uma lista de nomes de terreolas que teríamos que passar para evitar as principais cidades e estradas.

Em Portugal, tínhamos um mapa militar com tudo o que era carreiro de cabras marcado e sinalizado. Casa, casebre e altitude. Tudo estava lá. Em Espanha, experimentámos um pouco pedir direcções de pessoa em pessoa. Mas as sinalizações eram boas e só nos troços de auto-estrada é que havia mais dúvidas. Um achado no último albergue de peregrinos em Espanha! Um quilo de mapa de estradas de França, actualizado até 2010. No barco de Córsega para Sardenha, uma conversa com o nosso primeiro Italiano e um pedido de vislumbre do mapa da ilha, resultou na oferta da carta Italiana, por um completo estranho. Na Grécia, lá abrimos a carteira e comprámos um mapa em Igoumenitsa. Mas não durou muito e algures a caminho de Creta, ficou esquecido no banco do jardim. A Maria de Iraklio, ofereceu-nos o mapa Turco e desde aí, que têm sido ao improviso que nos orientamos. Foi a isto que chegámos na nossa tecnologia "GPSssica". Um papel amarelo amarrotado, com meia dúzia de nomes de vilas e aldeias, de pronúncia estranha e que nunca ouvimos falar. O nosso mapa para a Transilvânia.

Targus Mures apresentou-se como mais uma cidade média europeia. cadeias de supermercados nos arredores, prédios e trânsito nos subúrbios e um centro histórico todo arranjado, na forma de um parque/jardim central, rodeado por edifícios restaurados. Foi aí que o Gyorgy veio ter connosco, de bicicleta! E de bicicleta fomos para a casa dele, onde a Gyupi nos esperava. Estacionamos as nossas meninas junto às dele. Mais bicicletas. Estes dois vivem e respiram bicicletas. Fazem viagens de bicicleta, têm ídolos no downhill e Gyorgi decidiu levar a a paixão dele mais a sério e com mais dois amigos, abriram uma pequena empresa de mensageiros de bicicleta. Aos poucos e com o suor dos três, vai crescendo. Agora já têm empregados e até a sua pequena loja/oficina de biclas.

Com eles, estávamos em casa. Sabiam o que nós queríamos e depois de uma cházada, veio o manjar de queijos, toucinhos, cebolinho, compotas e pão. Eles percebiam-nos. Mas nós não os percebíamos quando falavam. Algo de estranho na sua voz, que não soava a romeno. Porque depois da pergunta, veio a resposta. São húngaros. Tal como nos avisaram, em Bucareste, a Transilvânia está mais povoada com húngaros do que com romenos. Até hoje isto fez-nos confusão, mas Gyorgi explicou tudo numa frase. "É como o país basco em Espanha. Nós já aqui estávamos, em tempos de impérios austro-húngaro, mas depois da derrota na primeira guerra mundial, os Senhores do Mundo traçaram outras linhas e a Roménia cresceu. Nós já aqui estávamos. A Roménia, veio depois!"


Depois do manjar, veio o descanso e o fechar de olhos durante um par de horas.

É dia de aniversário. Um dos amigos deste casal, convidou-os e nós vamos por acrescento. É num bar/café, por isso não há
problema. Os Nomadiclas nas suas bicicletas, Gyorgi e Gyupi, os dois numa só. Para eles é tão natural como para nós levarmos alforges.


Peculiaridades... Num grupo com mais de 20 adolescentes e alguns mais graúdos, os rapazes nunca cumprimentavam (nem sequer olhavam) para as raparigas. Será algo húngaro? Não sabemos e não percebemos a explicação. As conversas cruzavam-se e entrelaçavam-se. O tilintar de copos, e chávenas e garrafas, misturava-se com as conversas nas outras mesas e sem darmos por isso, ficámos com uma tatuagem no braço, dissemos olá a um casal sueco, numa Transilvânia onde a voz é húngara e ao sairmos para a rua, experimentámos algo de novo.

Se conduzir, não beba. Por isso é que nós andamos de bicicleta. Mas com umas garrafitas de cerveja, a experiência é outra.

1 comentário:

Nuno Vieira disse...

Eu sei que é extremamente laborioso manter este blog actualizado, ainda para mais com constrangimentos no acesso à Internet mas, estava desesperado por ler (e ver) mais! O meu ritual diário no escritório passa por ir ver se já existem novos desenvolvimentos. Não se esqueçam que o vosso relato, para além da função pedagoga, é também uma das razões que mantêm a minha (pouca) sanidade mental durante o (demasiado) longo período entre férias. Ainda que não saia do mesmo lugar, o vosso testemunho constitui uma forma de viajar muito para além das 4 paredes da minha sala de trabalho...