Mugla – Eskiçine

Um acordar tardio e umas despedias rápidas aos professores atrasados marcou o inicio do dia. Este prometia mais calor e suor. Eram dez e pouco quando juntámos nádegas e selim, numa relação que já dura há mais de 6000 km.

A estrada era boa, com bastante espaço nas margens para uma pedalada segura e firme. As longas descidas a 40 km/h e as pouco inclinadas subidas marcaram o dia.
Parece que os turcos também (como em Itália) são adeptos da buzina. Ao aproximarem-se por detrás, quando vêm de frente, seja para acenar, avisar, cumprimentar ou ralhar, estamos a conhecer os diferentes tons das buzinas turcas. Em especial as dos camiões e autocarros que abundam nestas paragens, e apontam a corneta quando fazem razantes aos nossos ouvidos!


País novo, língua nova, costumes novos. Ainda estamos a aprender tudo isto e nada melhor do que uma barriga cheia de fome e umas peles queimadas do sol para acelerar o processo.
Na primeira cidade grande que encontrámos enfiámo-nos para o centro em busca de alimentos. Uma marca conhecida numa esquina, Dia! Mas muito pobrezinha de escolha estavam as suas prateleiras o que contrastava com os preços elevados. Uma esquina mais tarde, um novo supermercado, Bim! Enquanto um foi às compras o outro ficou de olho nas bicicletas e conversava com os empregados do Bim. Segundo eles o Dia é muito caro e ficamos melhores servidos com as marcas Turcas. Como começar conversa com um Turco que mal fala inglês? Simples. Tentar explicar que somos de Portugal e depois das piadas em torno de Portukal (laranjas em turco) e dos Quaresmas e Simões Sabrosas deste mundo que chutam a bola na liga turca, já o gelo foi quebrado.

Comemos um pidé cada um, saladas, chás e sumos para desembuchar e as rezas dos holofotes dos minaretes a compor o quadro, numa rua junto à paragem dos autocarros. Saímos da esplanada de volta à estrada.

Montanha abaixo depois, colina acima mais tarde e as nádegas e o selim começam na típica discussão de fim de dia. Parámos junto a uma torneia de um café de estrada com 3 ou 4 casas por detrás deste, para encher os cantis. Tínhamos água e os WC's do café eram exteriores. Tudo o que é preciso para um campismo de luxo. Cheios de moral, enredámos em direcção às casas por detrás do café. O sítio parecia tão deserto que com sorte podia ser que até um tecto se arranjasse. Um senhor sai do seu alpendre escondido e dirige-se para nós. Abre a cancela e num inglês arranhado cumprimentou-nos.
Explicámos ao que vínhamos (um sítio sossegado onde pôr a tenda) e eis que finalmente acontece...

Já lemos em muitos livros e blogues de malta que por aí anda de bicicleta e à boleia. Já ouvimos falar em conversas de cafés, com outros viajantes e pessoas que conhecemos nesta viagem, mas nunca aconteceu connosco. Talvez por sermos demasiados tímidos neste aspecto da nossa viagem.
O couchsurfing é a forma moderna (e fácil) de viajar e conhecer as gentes deste mundo. Existe outra forma de surfar os sofás. Mais arcaica e mais simples. Sem recurso a tecnologias e redes sociais. Sem telemóveis e sem sequer falar a mesma língua. A hospitalidade e bondade que todo ser humano têm dentro, não necessita comunicação para actuar. Todos a têm, mas nem todos se lembram dela e que é das melhores ferramentas para fazer amizades em todo o lado.


O senhor, convidou-nos para ficar em sua casa. Morava sozinho e tinha dois quartos e não havia problema nenhum. Nós nem percebemos muito bem o que se passava ao início e pensámos que eles nos ia ajudar a procurar um sítio onde pôr a tenda, algures na aldeia. Chamemos aldeia a 6 casas com 3 desabitadas, junto a uma estrada movimentada nas montanhas turcas. Mas depois de passear pela aldeia e de mais dois dedos de conversa, ficámos todos esclarecidos com as intenções de cada um.
E foi assim. Minutos depois de parar as biclas junto à torneira do café, estas foram parar ao quintal do Salih Dok e nós fomos descansar no seu alpendre a beber chá e a tentar comunicar. O Salih fala um inglês bastante bom para os seus 62 anos e para quem vive num local tão deserto como este. Mas nem sempre foi assim. Salih é muito mais viajado do que nós. Turquia, Grécia, Itália, França, Portugal, Holanda, Alemanha, Rússia, China, Japão, Indonésia, Singapura, Austrália e Nova Zelândia, Chile, Peru e Brasil, Cuba, Jamaica e Panamá, Mississipi, São Francisco e Nova Iorque, Canadá, Índia, Paquistão, Irão, Etiópia, Angola, Libéria e Nigéria são apenas alguns dos sítios onde esteve e nos lembramos. Mas havia mais. Muito mais! As fotografias e o passaporte que ele desencantou do baú comprovam as suas palavras.  Passou 25 anos num daqueles navios tanques, a passear por todo o mundo e nós fomos encontrar este marinheiro reformado nas montanhas da Turquia.

O primo de 24 anos saiu do trabalho na cidade vizinha e juntou-se a nós. Ele não falava inglês, por isso o Salih fazia de tradutor. O pai do primo também veio cá espreitar para conhecer os convidados do Salih e para uma chávena de chá, que não parecia acabar. A conversa lá se desenrolou cada vez com mais facilidade até o sol começar a baixar.

Do congelador apareceu uma carne que foi descongelada com o secador do cabelo. Omelete com queijo e salada de pimentos, tomates e pepinos. Todos ajudaram. Uma mesa surgiu na simples sala, feita com quatro pés e uma bandeja. Como por estas bandas os sapatos ficam sempre à porta e tudo está revestido por tapetes, sentámo-nos no chão enquanto comíamos. A TV anunciava as notícias, as melgas entravam por tudo o que era fresta, e o serão continuou com um filme do Jet Li dobrado para turco. Mas nem por isso nos deixávamos de maravilhar de como aqui tínhamos chegado. Ainda agora nos custa a crer que aconteceu. Um mundo é um sítio bom, se olharmos para ele com bons olhos e se tivermos boas intenções. “No problem”. Foi a expressão que Salih usava uma e outra vez. Para explicar a sua filosofia de viver ou para explicar que podíamos lá ficar. “No problem”, para o chá em vez da coca-cola, para a comida que era demais, ou para o à vontade de podermos ir dormir quando quiséssemos. No problem...

Dissemos boa noite e fomos para a cama, tentar dormir. Chamemos dormir ao acto de estar deitados numa cama, com o zumbido das melgas e mosquitos nos ouvidos e o calor do ar que não entrava. Puxámos da bandeirola branca da paz, acendemos a luz e montamos a tenda, ao lado da cama!

1 comentário:

Anónimo disse...

Sizleri tebrik ediyorum.Türkiyeyi nasıl buldunuz.Yolunuz açık olsun...