Korukoy – Pasayigit

Trovoada durante a noite...


Quando espreitámos para fora da tenda, as nuvens estavam à beira de descarregar. Despachámos a tenda antes que as pingas viessem. E vieram, assim que começámos a pedalar. Pedalar à chuva durante o Verão, pode ser divertido, mas com o pequeno-almoço por tomar, uma humidade manhosa no ar, que tornava tudo peganhento, e uma subida de caracol com oito quilómetros, não foi a melhor das manhãs. A Ana queixava-se de dores de barriga desde a noite passada e estava meio sem ânimo.

Valeu-nos o chegar ao topo. O olhar para trás e dizer adeus ao nosso companheiro. Desde Dezembro de 2010 que ele anda ao nosso lado. Guiámo-nos por ele, acampámos junto a ele e foi nele que por vezes nos refrescámos e urinámos. Todas as pessoas que conhecemos, desde essa altura, foram de uma ou outra forma afectadas por ele, e toda a comidinha boa que andamos a experimentar deve a ele o seu nome e os seus ingredientes. Adeus generoso Mediterrâneo.


E como que um prenúncio do que nos esperava, assim que começámos a descer do topo, o frio sentiu-se, e começámos a pensar se devíamos ou não vestir outra roupa.

Começámos a ver uma cidade ao fundo, decidimos que seria por ali o descanso do almoço.
Kesan era feia. Longe da ocidentalidade europeia do Oeste turco, e da arquitectura típica do resto da Turquia, encontrámos uma cidade de passagem, perdida no campo. Cheia de blocos de apartamentos, buracos, lixo e olhos esbugalhados a olhar para nós como se fossemos alienígenas.
Refugiámo-nos num jardim, onde as árvores e o verde mascaravam a confusão à sua volta. Os bancos de jardim, tornaram-se local de repouso. Ao início toda a gente do parque olhava para nós e manteve-se à distância. Passados alguns minutos, com um chá ao lado, um de nós a dormir e o outro a ler, os nativos ficaram mais à vontade. Sem darmos por isso, as mães e avós estavam ao nosso lado, enquanto os netos e os filhos se baloiçavam. A senhora que faz a renda. As famílias que bebem o chá na esplanada. Os jogos da criançada. Um pequeno refúgio, onde ganhámos mais energia do que um almoço poderia providenciar.


Mas com tantos dias de pedaleio sem parar, ao fim da tarde parámos numa bomba de gasolina e indecisos se devíamos continuar ou procurar campismo selvagem por perto, ficámos ali sentados. Longe de um grupo de rapazes e do empregado da gasolineira.
O empregado dirige-se na nossa direcção, com dois chás na mão e um sorriso na cara. Agradecemos o gesto, dizemos que não era preciso, mas na Turquia a generosidade genuína é difícil de evitar. Ele retirou-se, sem grandes conversas e voltou a deixar-nos à vontade. Mas não por muito tempo... Quando voltou, tentou explicar que podíamos ficar aqui ou ali. Não percebemos bem os sítios, mas percebemos que a noite ia ser ali passada. Foi só quando começámos a montar a tenda num quadradinho de relva ao abrigo de uma nogueira, e quando pela terceira vez o rapaz veio ter connosco é que as intenções foram esclarecidas. Podíamos ficar dentro do restaurante!
Aquilo estava fechado, o dono acho tinha morrido à pouco tempo e não havia problema nenhum.
Atirámos tudo lá para dentro, pusemos cartões por debaixo da tenda para fazer uma cama mais confortável e ao anoitecer, preparámo-nos para dormir.

Já a Ana dormia, além do cansaço e dor de barriga estava com febre, quando alguém bate à porta do restaurante. Era de novo o rapaz com o seu sorriso. De alguma forma este dia acabou, a ver televisão no escritório do nosso anfitrião sorridente, a beber chá atrás de chá, a discutir com expressões e monossílabos política, rotas, famílias e empregos.

Deve ser coisa do nome. É o segundo Salih que nos abre as portas do seu bocadinho de vida.

1 comentário:

Anónimo disse...

Coragem!!!
Como diz a Dolly Parton se queres chegar ao ArcoIris tens de passar pela chuva.... e ainda há quem diga que ela é apenas um grande par de mamas...

Beijinhos,

R.