Dueñas - Saint Jean Pied du Port

Mais um pequeno almoço, cheio de frutas acabadas de comprar no mercado. A Maria fez-nos uns bocadillos para a viagem e nos ainda ofereceu mais fruta. Deu-nos um abraço até dali a um mês. Desejou-nos "bon camino" e seguimos de carro com o Albierto, que fez o favor de nos levar a dois quilómetros da entrada de Dueñas, a um restaurante de camionistas.
Sim, íamos tentar a nossa sorte e tentar arranjar uma boleia até França!
Das três vezes que esticámos o dedo na brincadeira tivemos bons resultados, como nos sairíamos numa a sério. Estávamos nervosos e, durante a primeira hora, sentámo-nos a comer pipas e a observar. O parque de estacionamento estava vazio e nas duas horas que se seguiam esperávamos uma enchente de camionistas espanhóis e portugueses. Queríamos os portugueses, que tem a boa fama de dar sempre boleia. Esticar o dedo está proibido em Espanha e ninguém o faz, por isso teríamos de ir um a um a perguntar.


Começam a chegar alguns. Vemos as matrículas, vemos o que têm escrito de lado e mais ou menos por isto temos ideia se podem ajudar-nos ou não. Atacamos já, ou esperamos que venham de comer? Com a barriga cheia estamos mais bem dispostos, por isso apostámos nos que voltavam do restaurante.  E lá andámos nós para trás e para a frente a seguir camionistas e a perguntar se nos podiam levar até França, só até à fronteira. "Queremos fazer o Caminho de Santiago". estávamos com fé que esta nos ia ajudar. Ouvímos de tudo. Mas sempre não no fim. "Só posso levar um passageiro", " Não vou para aí", " É proibido levar gente nas cabinas!","É mais fácil se perguntarem a carros". Já estávamos um bocadinho em baixo e quase a decidir voltar a pé para Dueñas, quando mudámos o alvo e virámo-nos para os que iam de carro. Encontrámos um grupo grande de portugueses que seguia em dois carros e lá fomos nós. Regressavam a Portugal, e os carros iam cheios. O pouco que falámos deu-nos outra vez para estranhar esta língua que é a nossa, mas já pouco sai das nossas bocas nestes últimos tempos. Já estamos tão acostumados ao inglês e ao espanhol que parece que não somos nós quando falamos português.


O parque estava numa roda viva de chega e parte de camiões e a esplanada estava cheia de gente. Cada vez mais encavacados e de mau humor lá nos voltámos uma última vez  para os camionistas. O Alexandre sentia-se mal por ser sempre eu a falar e eu já acreditava tão pouco que íamos conseguir que falava sem grande vontade. A gota de água foi quando um senhor nos disse "porque é que não apanham um autocarro?" com cara de "olha-me para estes aqui à mama!!". Lá enfiámos o rabinho entre as pernas e pusemo-nos a caminho. E vimos o senhor que nos disse para irmos de autocarro a seguir de carro em direcção a Dueñas, a passar mesmo ao nosso lado...


Apanhámos o autocarro em Dueñas para Vallladolid, e em trinta minutos estávamos na fila para comprar os bilhetes para Irún, que partia dali a quinze minutos. Viajar de autocarro para mim é um stress. Não posso olhar para baixo, ler, concentrar-me em nada sem ter o horizonte ao fundo, o calor do aquecimento e o cheiro a estofos misturados põe-me mal disposta e quanto mais tempo passa piora. De maneira que dormimos os dois de aborrecimento, porque tínhamos dormido pouco, e porque não havia muito mais que fazer. Vimos um filme, comemos. Em Burgos tivemos meia hora para esticar as pernas, que aproveitámos para passear até à catedral.Os outros passageiros foram saindo e nós fomos os últimos. Chegámos já era noite cerrada e, quando perguntámos pelo comboio para Hendaye, disseram-nos que já não havia mais. O motorista de outro autocarro ofereceu-nos boleia e cinco minutos depois pousávamosh os pés em França.

Na estação de comboios lemos dois anúncios de albergues, mas os preços eram mais do que o que queríamos pagar num e o outro ficava em Irún. Fomos dar uma volta pela cidade, comemos o que restava nos nossos sacos sentados nas escadas geladas de uma igreja. Descobrimos mais gente a dormir, pelos cantos da cidade. Todos os lugares abrigados estavam ocupados e regressámos à estação dos comboios. Ainda aberta, tinha três peregrinos. Mochilas cheias, paus e conchas dependuradas denunciam qualquer peregrino. Um senhor dormia na zona dos fumadores e o guarda com o cão andava na ronda. Quando nos mudámos para a sala de fumadores, mais sossegada e menos iluminada o guarda do cão entrou a dizer que a estação ia fechar.


Estávamos rabugentos com sono e frio. Saímos dali disparados, dispostos a arranjar um sítio, para ao menos descansar. Começou a chover! Avistámos um bar/café fechado com duas mesas e bancos corridos dos dois lados, em madeira, e debaixo de um alpendre. "É mesmo aqui!" pensámos. Um de cada lado e mal nos começámos a ajeitar, vemos surgir detrás do prédio os três peregrinos que estavam na estação e que nos seguiram. Enfiaram-se ali também. Eram um bocadinho ruidosos e demoram a calar-se das conversas. Mas, finalmente, lá veio o silêncio. Pusemos os sacos de cama e até já estávamos a dormirtar. Deviam ser umas duas das manhã. Às cinco fomos acordados pelos três peregrinos que nos perguntavam se íamos apanhar o comboio das cinco e cinquenta e cinco!!! E assim voltámos à estação, esperámos, apanhámos o comboio, e recostámo-nos nos bancos a tentar descansar mais um bocadinho. Do comboio saímos para um autocarro e às nove da manhã chegámos a Saint Jean Pied de Port. Ufa!

Igual ao que nos lembrávamos, exactamente, um ano depois. Fomos à oficina de peregrinos e fizemos as nossas credenciais, pagámos o nosso primeiro albergue e levámos o nosso primeiro carimbo. Ouvimos os conselhos para o dia seguinte e como o albergue só abria às duas da tarde, fomos às compras para pequeno almoço e visitámos a cidade como deve ser.


Às duas e pouco estávamos a chegar. Já estavam cinco camas ocupadas no nosso dormitório. Não havia hospitaleira/o mas a Janine, uma senhora que morava no piso de cima fazia vezes de... Isso e saber da vida de toda a gente. A hora de jantar foi animada com toda a gente à mesa a conversar a pares ou grupos maiores, cada um com a sua comida. Não havia fogão e por isso cada um improvisou.

O primeiro dia de caminho eram vinte e sete quilómetros sem nada pelo meio. Sábado. Quando chegássemos ao albergue da povoação seguinte também não haveria supermercado. Próximo dia: domingo, o que significa que as lojas estão fechadas. Quem vai p'ra o mar avia-se em terra, e nós tínhamos as mochilas cheias de pão. Pequeno-almoços, almoços e jantares!
Antes de apagarmos as luzes, chegaram mais dois peregrinos. Um espanhol e um belga. Algures havia um brasileiro, noutro dormitório, contaram-nos.


...há um ano atrás: Pamplona e Pamplona - Roncesvalles

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