El Camino de Ana - Second Week

28 de Outubro - Navarrete - Najera - 16 km

Quando saímos já eram oito e tal e a cena dramática da pulga/piolho ainda estava fresca. A Reyn acordou cheia de comichões e com os braços cheios de picadas de algum bicharoco.
Saímos antes da Reyn, que foi a última a deixar o albergue! Em Ventosa passou-nos quando parámos para comer e mais à frente estava agachada a partir amêndoas! Ora aí está uma peregrina relaxada, que até tira algum tempo para partir os dois quilos de amêndoas que apanhou pelo caminho e carrega na mochila!!! Entre "nós ajudamos-te a partir isso tudo, entre os três é num instante!" e ela a rir-se e oferecer-nos amêndoas, pôr-nos amêndoas nos bolsos e dizer que não é preciso, lá seguimos e só mais tarde nos apercebemos que era uma estratégia para ficar para trás e fazer xixi descansada! No Verão, deve ser o cabo dos trabalhos, até termos algum tempo sem aparecer alguém, o suficiente para ir atrás de um arbusto e não nos apanharem de calças na mão!
Mais à frente a Reyn apanhou-nos e seguimos juntos. A conversar e a comer uvas, nem demos pelo tempo passar e chegámos num instante à cidade.
O Ricardo também estava no albergue e todos juntos almoçámos com as três hospitaleiras. Sílvia (México), Maybeth (Canadá) e Iolande (France). A Reyn mostrou os braços picados e as hospitaleiras ajudaram-na. Lavaram a roupa toda, saco cama na secadora, emprestaram-lhe roupas enquanto tudo secava.
Nós as duas partimos o resto das amêndoas e pusemos a taça na mesa para todos se servirem.
O Alexandre e eu dormimos uma sesta e acordámos com uma impressão na garganta. Decidimos fazer uma canja e o chá de cebola, com limão e gengibre. Pusemos as botas no sapateiro a coser e levaram uma camada generosa de banha de cavalo. A ver se agora ficamos com os pés molhados?!!
Jantámos e repartimos o jantar enquanto conversámos com o Santi, a Kathrin e a Reyn.
Mesmo depois da sopa e do chá, dormimos mal e acordámos muitas vezes a meio da noite (fazer xixi - três vezes!!!) com o calor abafado de tanta gente no mesmo sítio e do aquecimento,e dores de garganta.


29 de Outubro - Najera - Redecilla del Camino - 31,1 km

Um dos albergues que gostámos mais, (por culpa do ambiente criado pelas hospitaleiras) mas uma das piores noites. Descansámos pouco, mas ao menos que tivesse sido bom, mas nem isso.
Em Grañon tivemos a tentação de ficar por lá, quando no supermercado encontrámos a Kathrin, que nos disse só estarem nove peregrinos ali. A refeição do jantar era donativo, um ponto a favor, mas não poder usar o fogão eram dois contra, porque o almoço do dia seguinte seria pão se não cozinhássemos. Redecilla del Camino foi o nosso primeiro albergue, o ano passado, e gostámos muito, dois pontos a favor. Já conhecíamos e tínhamos mais quatro quilómetros para andar, dois pontos contra. Acabámos por ir! O Alexandre saiu disparado à frente e eu segui alguns metros atrás, capaz de me atirar para o chão e chorar de cansaço, mas para não ficar para trás até caminhei bastante rápido!
Onde é que está a luz? Eu gostava de saber onde é que está a luz e o hospitaleiro!! Afinal, as vantagens tornaram-se em desvantagens. Sem hospitaleiro/a, sem luz, e na cozinha a fazer comida às escuras, este albergue já não parecia tão apetecível.


30 de Outubro - Redecilla del Camino - Tosantos - 17,4 km

Tosantos, paragem obrigatória! O Santi andava a falar-nos à dias de que Tosantos era o melhor albergue do caminho.
O David acolheu-nos e explicou-nos que o donativo que deixássemos iria comprar a comida dos peregrinos do dia a seguir. Não sei porquê, mas as coisas postas desta maneira, tornam tudo mais pessoal.
Além do David, que era o mais novo, havia o Pepe, e o "chef" José Luís. Nem vale a pena dizer quantas vezes cada um já tinha feito o caminho, porque nem eles sabiam já! Muitas vezes, a começar em diferentes sítios e à procura de coisas diferentes de cada vez! Chamam-se os "enganchados" do Camino! O Santi a modos que "pertencia" a este bando. Oferecia-se como voluntário, quando podia, apenas neste albergue e via-se que se sentia em casa.
Chegámos cedo. Banhos, roupa lavada  e um saborear do sol do fim da tarde no jardim em frente, com chá, bolachas e amigos peregrinos. Ao anoitecer, preparámos a comida todos juntos, com os homens a liderar o fogão. Jantámos todos juntos na mesa corrida.
Depois do jantar fomos convidados a participar num momento de reflexão. Ideias como :"o Caminho não acaba em Santiago, continua toda a vida!!" ou "tu não fazes o Caminho, o Caminho faz-te a ti" ficaram-nos gravadas na memória, bem fundo.
Quando fomos dormir, todos tinham um presente sobre os sacos cama. Uma seta amarela, de alfinete!
O melhor albergue? Não sei! Mas sem dúvida o albergue mais comunitário! Não estamos sozinhos.


31 de Outubro - Tosantos - Atapuerca - 25,4 km

Tive febre durante a noite, e o nariz cheio de ranhoca a não deixar respirar. Durante o dia, é ver-nos embrulhados em papel higiénico a limpar o nariz que escorre sem parar.
Na floresta, a Kathrin, a Reyn e nós desesperámos pelo fim de tanta floresta, sem mudar nada! Umas escavações decorriam, e foi-nos pedido para deixar uma mensagem no livro de honra! Mais quarenta corpos descobertos das vítimas da Guerra Civil.
Pela hora de almoço, o grupo que dormiu em Tosantos foi-se reunindo aos poucos na praça em frente a uma igreja. O Santi, e o Daniel, O Lars e o Adam, nós quatro, e o Ricardo e a Chin Hok!
Chegámos seis a Atapuerca! Pela primeira vez uma senhora de um albergue preferiu dizer-nos que estava cheio do que receber-nos e ter trabalho a limpar depois! Muitos dos albergues, fecham no fim do mês de Outubro para voltar a abrir em Abril. Teríamos de estar atentos aos calendários dos albergues, que tínhamos na folha de Saint Jean. Ainda bem que havia outro albergue ali, caso contrário que remédio senão caminhar até ao próximo!
Fomos às compras juntos e cozinhámos juntos. O Pepe de Tosantos juntou-se a nós à hora de almoço, e de novo à hora de jantar. Fim de semana, e o que o Pepe gosta mesmo é de ajudar os peregrinos, por isso trouxe-nos vinho, chouriço e foi pedir uma cebola para nós!
A Reyn, dormiu no mesmo quarto que nós e, finalmente, pudemos partilhar dos nossos calores de estar dentro de casa, e abrir a janela, já que ela também acampa e é uma moça encalorada.


1 de Novembro - Atapuerca- Burgos - 21,4 km

O dia foi marcado pelo reencontro da Reyn com os seus amigos Marc-Antoinne e Cristina, que começaram em Le Puy, como ela. Um grito assim que saiu do albergue, e toda a gente percebeu que tinha encontrado os amigos. De tanto, que a ouvíamos lamentar-se de não ter ficado com nenhum contacto deles e não fazer ideia onde estariam.
Subimos ao monte com eles à nossa frente e uma neblina a desvanecer. Ao fundo víamos Burgos, e toda a estrada a percorrer até lá. Uma bela vista. Talvez por termos a visão da chegada, e pela companhia animada, chegámos que foi um ver se te avias. Os cinco a ocupar a estrada e na pura galhofa, chegámos divertidos a Burgos! Só um dos três albergues estava aberto, o municipal. Pedimos para ficar todos juntos e puseram-nos no segundo andar, vazio.
Ao fim do dia contámos, pelo menos sessenta e poucos peregrinos ali. Toda a gente estava ali. Todos os que já tínhamos visto, pelo menos uma vez, e todos os outros que partiram antes, ou depois de nós. Façamos as contas aos quilómetros e é difícil fugir a Burgos, já que temos 21,4 quilómetros sem albergues!
O jantar foi com o "nosso grupo", com cada um a partilhar o que tinha.


2 de Novembro - Burgos -  Hontanas - 20,6 km

O pequeno almoço foi de novo em grupo. A Kathrin e o Marc Antoinne e a Cristina iam ficar um dia em Burgos a descansar e por isso, quisemos aproveitar o que nos parecia ser os últimos momentos juntos.
Muito, muito vento, muito, muito frio, por volta da hora do almoço. Juntámo-nos todos nas escadas de uma igreja, mas a ventania não deixou ninguém ali muito tempo.
De novo, da parte da tarde seguimos, uns atrás dos outros, mais ou menos à mesma distância. Todos a sós com a chuva miudinha, na estrada empedrada, e os seus pensamentos. As botas deviam pesar mais meio quilo com a lama que vinha atrás. O Kim escorregou e pôs a "pata na poça".
A estrada sempre igual a prolongar-se e a mostrar mais do mesmo planalto sem fim.
A chuva ficou mais forte e a estrada nunca mais chegava a lado nenhum.
A chuva parou e vimos um sinal do meio quilómetro que faltava para a vila, mas sem ver nada no horizonte.
Até que finalmente vemos a torre da igreja e começamos a descer e chegamos.
Cozinhámos com a Reyn, lentilhas e a chuva continuou a chover lá fora.


3 de Novembro - Hontanas - Fromista - 34,3 km

Todos de poncho e botas. A chuva não convida a caminhar descontraído e acompanhado. Vamos sempre todos mais pensativos e demoramo-nos pouco.
Subimos e descemos, fazemos poucas paragens. Pensamos em chegar. Descansar e estar seco e protegido dentro de quatro paredes. Mas o dia pregou-nos uma partida. Na vila onde planeávamos descansar, Boadilla del Camino, a hospitaleira, não lhe apeteceu limpar o albergue e foi dizendo a uns que estava aberto e a outros que estava fechado. E não se limitou a dizer do seu albergue mas também dos privados em redor. Experimentámos um e como fomos recebidos por um "robot" e não por um hospitaleiro, decidimos não ficar por ali. Também era mais caro do que os nossos planos! E sendo assim lá desencantámos forças, (muito fraquinhas, diga-se) para os "só mais seis quilómetros" a que ficava o próximo albergue, disse-nos a dita senhora.
Chegámos de noite, com frio, cansados, e com fome, para um albergue sem fogão.
Valha-nos o calor humano!


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