El Camino de Alexandre - First Week

21 de Novembro de 2011. Conversas na montanha com Wolt.

Estávamos os três à conversa. Sentados na relva, um pouco cansados. Virados para o Norte, enquanto palavras em espanhol se misturavam com as de inglês, a dizer adeus a França. Para nós, um adeus definitivo nesta viagem.
Wolt devia ter vinte e muitos ou trinta e poucos e é da Bélgica. Como muitos que fazem o caminho, também ele fez uma pausa na sua vida para viajar.
A conversa era despreocupada. Nós tentávamos não falar das bicicletas. É muito cedo para começar a desbobinar todo um ano a estranhos. Ao longe, mais peregrinos continuavam a subida dos Pirenéus, tal como nós o fizéramos à pouco. Desde as sete da manhã, sempre a subir por entre vales, rodeados por portentosas montanhas, povoadas de ovelhas, cabras, pastores e caçadores. Com apenas um local onde encher o cantil durante vinte e sete quilómetros de beleza natural indescritível. Nestas alturas,uma pessoa não precisa de água. A adrenalina, a sensação de um novo começar, partilhada com mais peregrinos de todos os cantos do mundo é suficiente. Espanhóis, Franceses, Belgas, Alemães, Coreanos e provavelmente outros, a quem não perguntámos o nome.
Wolt, quis ficar mais tempo sentado. Sozinho entre as montanhas, a apreciar a paisagem. Nós dissemos adeus e seguimos rumo à descida que atravessaria uma floresta, antes de chegar ao albergue.


22 de Novembro de 2011. A floresta gelada.

As folhas das árvores caiam como se chuva fosse.
Poderíamos ficar toda uma manhã a olhar para este acontecimento de tão belo que é. Imaginem uma floresta e um caminho a atravessá-la. Imaginem tudo coberto de um orvalho gelado de tanto frio que fazia. A relva estaladiça, as poças de lama com uma camada de gelo. Umas vacas a tentar encontrar alguma relva menos gelada. Não havia vento... Uma quietude no ar.
Nem reparámos nas folhas a cair da árvore. Quem é que costuma reparar em folhas a cair, quando estamos no Outono? As árvores pareciam estar a mexer-se demasiado para a calma que nos rodeava. Delas caiam não uma ou duas de vez em quando, mas dezenas e dezenas de folhas, num fluxo constante. Não parecia ter fim! Sempre a cair, de todas as árvores do caminho.
Os guias do Caminho, alertavam de como esta floresta é mágica. Ainda são oito horas e já estamos a ver um espectáculo destes.
Lá mais para frente, um pau encostado a uma árvore como se uma pintura fosse, "chamou-me e pediu-me" para vir também. Agarrei nele e ele a mim, e os dois seguimos em frente sem grandes conversas...


23 de Novembro de 2011. Jantar com os franceses.

Deixámos o "nosso" grupo de Saint Jean Pied du Port para trás, ao decidir avançar mais seis quilómetros, rumo ao Alto del Perdón. Entrámos no albergue da pequena vila antes do topo. Éramos os primeiros e pelos vistos os únicos. O albergue tinha um ar de novo e com decoração muito familiar. Não custava muito imaginar o que poderia ser a nossa casa. Depois da ventania das últimas horas, do aspecto frio e desolador da montanha que nos esperava no dia seguinte e da solidão da maior parte do dia, soube bem chegar a um sítio acolhedor como este.
Enquanto tomávamos banho e bebíamos chá, umas vozes à porta fizeram-se ouvir. Chegou mais gente. O Jean Pierre e o Jean Paul, acompanhados por mais dois amigos franceses, Annie e Françoi, entraram em casa, com as volumosas mochilas, o ar cansado e o sorriso na boca. Características típicas de um peregrino.
De alguma forma, demos por nós, horas mais tarde, sentados à mesa com todos eles. Todos trouxeram as suas dispensas para cima da mesa. Nós com uma grande sopazia de feijão com massa e chouriço, eles com o pão, o queijo, mais chouriço espanhol, garrafas de vinho, tortilhas e boa disposição. Podíamos estar na nossa casa ou na casa deles. Todos partilhavam o que tinham, assim como as histórias e os motivos comuns que nos juntaram aqui. Podíamos fingir que estamos em casa, mas estamos a jantar com quatro franceses, da idade dos nossos pais, numa vila espanhola. Estamos bem.


24 de Novembro de 2011. Os ponchos improvisados do Perdon

A noite foi descansada e em paz, não obstante os ventos e a chuva lá fora. Só nos lembrámos da nossa situação quando chegou a altura de enfrentar o dia lá fora. Um vilarejo a meio caminho do topo da montanha, são sete, está um monumental temporal lá fora com perspectivas de piorar e nós não temos um impermeável para as nossas mochilas!
Já os franceses tinham saído, quando a hospitaleira do albergue apareceu. Pedimos-lhe ajuda e o melhor que se arranjou foram dois sacos do lixo tamanho XL, onde fizemos três buracos. Dois para os braços e um para a cabeça. Cobria a mochila e era esse o objectivo.
Saímos porta fora e durante duas horas lutámos contra as rajadas de vento que ameaçavam tombar-nos, a chuva que beliscava na cara e nas mãos com ajuda do frio, a lama fresca durante a subida e as pedras escorregadias na descida.
Quando finalmente chegámos a Ponte la Reina, procurámos uns ponchos como deve ser, entre as lojas turísticas para os peregrinos. Pagámos dezoito euros por dois ponchos azuis, que assim que saímos da cidade, começaram a rasgar-se!
São os segundos ponchos do dia, e pelo andar da coisa, não serão os últimos até Santiago!


25 de Novembro de 2011. Um mauriciano e um coreano cozinham pasta para dois italianos.

Com trinta e tal quilómetros nas pernas e pés, só queríamos uma cama onde nos deitar até amanhã! O mais difícil ao fim do dia, é ter forças para repor forças! Ter tino na cabeça, para tirar botas e peúgas e pôr tudo a secar. Lavar algumas cuecas e peúgas mais mal cheirosas. Ir procurar um mercado ou loja onde a comida não tenha preços exorbitantes de peregrino, encontrar tachos e panelas onde cozinhar algo a que possamos chamar comida que conforte. Quente de preferência.
É neste cenário, numa cozinha com mais cinco ou seis peregrinos em que nos encontramos. Na conversa com eles, entre picar cebolas e ferver água para o arroz, que conhecemos os membros do grupo que partiu de Saint Jean no dia antes de nós! Um sinal de que talvez estejamos a caminhar demasiado depressa.
Mas valeu a pena, para os poder conhecer e assistir ao filme que se desenrolou, enquanto o Joel, das Ilhas Maurícias, e o Kim, da Coreia do Sul, cozinhavam pasta para dois Italianos. Pasta para dois Italianos, enquanto um sexagenário espanhol mandava biscates de faz assim ou faz assado!


26 de Novembro de 2011. Kathrin e os outros.

Cansados e com a moral um pouco em baixo, ficámos em Viana. As ruelas eram-nos familiares da nossa passagem aqui de bicicleta. A malta das Ilhas Maurícias, Coreia e Itália, passou-nos à frente. Iam ficar em Logroño. Nós decidimos que hoje seria dia de descanso, mesmo que isso significasse que deixaríamos de estar entre caras conhecidas. Ficaríamos no limbo, entre as pessoas que começaram ao mesmo tempo que nós e as que saíram um dia antes. Ficaríamos sozinhos.
Pelo menos o albergue era catita. Até os beliches eram diferentes e chegavam aos três andares! Nós repousávamos nas alturas do terceiro andar, quando mais alguém entra no quarto. Kathrin! Conhecemos-la no dia da floresta mágica. O segundo dia. De alguma forma fomo-nos encontrando ao longo dos dias. Ora ela passava por nós, ora nós por ela. Foi das primeiras pessoas com que começámos a travar uma amizade e ficámos tristes ao saber que não a veríamos mais, pois também ela planeava ir para Logroño. Mas não. Uma dor estranha na perna, obrigou-a a ficar para trás e nós contentes ficámos por vê-la de novo!
Mas não foi a primeira pessoa do dia que nos fez sorrir. Mais para o fim da tarde, começaram a entrar mais caras conhecidas no albergue. A malta que iniciou connosco o Caminho! A francesa da Normandia, Marinne, com o seu pai. O Marc-Antoinne e a Cristina, do Canadá. Reyn da Bélgica. A nossa família do Caminho voltou a nós. Daqui já não saímos.


27 de Novembro de 2011. Kim e Reyn

Kim é da Coreia do Sul. Veio para a Europa viajar. Quis conhecer Espanha e foi nela que perdeu o seu iPhone. Sem contactos ou forma de planear as suas estadias futuras nos hosteis, investiu os seus limitados fundos num iPad! Agora já pode planear, mas ficou sem dinheiro para os seus planos. Alguém lhe falou do Caminho de Santiago, que além do carácter religioso, é também uma forma muito barata de conhecer o Norte de Espanha. Não estava preparado para tal, mas não foi isso que o impediu. Anda com dores horríveis desde que começou a caminhar porque os únicos sapatos que têm estão longe de estar preparados para vinte cinco/trinta quilómetros por dia. Não têm calças impermeáveis ou de caminhada. Quando chove fica completamente encharcado. Mas aqui está. No albergue de Navarrate. Ficou para trás dos seus amigos, pois não aguentava mais a caminhada de hoje. Sente-se à vontade para cozinhar arroz, mas sem orientação do Joel, deixa queimar a pasta. Nós partilhámos com ele a sopa de feijão que fizemos.
A Reyn é outra história. Enquanto nós iniciamos em Saint Jean Pied du Port, ela já tinha oitocentos quilómetros nas pernas quando lá chegou, vinda de Le Puy! Tem trinta anos e é professora. Como muitos por aqui, largou o que fazia e meteu-se em algo fora do normal e longe do quotidiano. Ainda a estamos a conhecer, mas já simpatizamos com ela. Desde o dia em que a vimos cozinhar castanhas que apanhou durante o dia, ou desde a história que os franceses nos contavam de alguém a carregar dois quilos de amêndoas que apanhou na estrada.


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