Villenueve-de-Riviére - Monfta

Em casa de carteiro, acorda-se cedo. Como aqui moram dois, não há molenguice para ninguém.
Às 6h já se ouviam os despertares da Gené e do Vincent.
Ainda meio arremelados, descemos mesmo a tempo de dizer adeus ao Vicent, que ainda pensou em nos ofertar um termo e ainda teve tempo para uns avisos de estrada geladas e escorregadias.
Tomámos o pequeno-almoço com a Gené, que entra ao serviço mais tarde, e num ápice estávamos todos na rua a despedir-nos com uma série de beijos e demonstrações de que em Portugal, os dois beijos na cara são da esquerda para a direita e em França são ao contrário. Eram 7:45 da manhã.
Depois de de momentos fotográficos com as nossas modelos favoritas, les vaches, até St. Gaudens, tivemos que lá parar para enviar um SMS ao nosso próximo host, para nos certificarmos que não estávamos a pedalar para um local sem acolhimento e abrigo do frio da noite. Ainda por cima, este próximo host, vivia bem no meio das montanhas e do campo, em profundo isolamento e comunhão com a natureza.
Estava muito frio. E durante as horas seguintes, sentimos o que é pedalar junto aos Pirenéus no Inverno. Um frio sub-zero acompanhado de um vento miudinho e irregular, enquanto atravessámos uma longa planície. Tudo completamente gelado. Pernas braços, mãos e pés, nariz a pingar e vermelhusco, acompanhado com uma terrível sensação de mal-estar e de dor de frio. Foi talvez, o maior nível de frio que sentimos desde que estamos a pedalar.
Uma vez fora das estradas principais, as curvas e contra-curvas, as subidas e descidas íngremes e o abrigo das colinas, sempre deram para enganar o frio.
A meio caminho, e com problemas de comunicação com o nosso host, tivemos de fazer uma chamada de último recurso a uma outra couchsurfer que vivia por perto. Entrámos numa Marie e pedimos à senhora que lá trabalhava se podíamos utilizar o seu computador para apontar o número da Fanny e telefonar-lhe em seguida. Tudo a correr bem, quando a simpatia e o calor francês estão sempre prontos a ajudar. Num francês meio inglês, lá falamos com a Fanny que nos disse não haver problema algum em lá aparecermos em cima do joelho.
Depois de uma subida manhosa e longa, eis que o primeiro host dá sinal de vida para nos avisar de que éramos bem vindos. Se estávamos com medo de não ter onde passar a noite, tínhamos agora duas casas por onde escolher. E o dia ainda não tinha acabado...
Rumámos em direcção ao primeiro host. Pelo caminho duas crianças junto à estrada ficaram a olhar para nós. Uns minutos depois, já com o sol atrás das colinas um audível e nova-iorquino "Hello!" saudava-nos. Uma das crianças tinha ido avisar o pai de que duas pessoas de biclas e alforges estavam por perto. O pai, Joe, um experiente viajante de bicicleta, com mais de 13 anos sobre o selim, continentes inteiros atravessados e um livro escrito, convidou-nos a ficar em sua casa em vez de fazermos camping com este frio. Três casas por onde escolher!
Recusámos, dizendo que um vizinho seu, o Robert, já nos iria acolher. Ainda assim, ele e o filho acompanharam-nos até à quinta de destino, já com a noite a cair e com a conversa de viagens e dicas transcontinentais. Joe, o homem que encontrou a sua esposa enquanto ambos pedalavam no Tibete e que já levou os seus filhos (o mais velho de oito anos) em duas tours pelo mundo. Uma inspiração.
Ao chegar à quinta do Robert, entrámos numa casa de madeira e recuperada por ele e a mulher, com uma lareira como aquecimento central para nos acolher. Junto à lareira, Esmé (9 anos) e Agnes (13 anos), jogavam gamão enquanto a mais nova, Violet (5 anos) pintava uns desenhos. Depois de nos indicar o quarto, com janela no tecto, e de nos saciar com uma valente refeição vegetariana, ficámos na sala, deslumbrados com os trabalhos de casa de Esmé e Agnes: Violoncelo e piano.
Já meio adormecidos com o calor da casa, depois de um dia de muito frio, arrastámo-nos para a nossa cama cheia de ederdons e debaixo das estrelas.

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