Campenita – Fizesu Gherlii

Pelo menos não choveu durante a noite, nem pela manhã, proporcionando um acordar seco.

Todos os vales ao nosso redor, encobertos numa neblina serpenteante. Quase que dá para perceber onde corre o riacho lá em baixo. É bom acampar no topo de colinas.


Armados com o nosso mapa da post-it, lá fomos nós pelas estradas secundárias da Transilvânia, rumo ao Norte. Todo o dia a viajar com o campo envolvente, a ocasional floresta, a perdida aldeia, a carroça cheia de palha, as pingas ameaçadoras de vez em quando.
 
As estradas secundárias nestas bandas, não estão propriamente em bom estado, e os reflexos têm que estar sempre em alerta, não vá a roda enfiar-se em buracos, ou a poça de água encher de lama os alforges. Mais do que eles já estão. É um pouco cansativo, mas compensa. Compensa com as vistas e com a solidão no nosso pedalar. Nada de constantes camiões e buzinadelas. Nem de carros super-sónicos voadores prontos para descolar. Aqui os pontos altos, são as ultrapassagens às carroças, a vaca que muge à nossa passagem, ou as magazin mixt.

Nem todas os vilarejos a têm, e quando aparecem, sempre são uma desculpa, não só para repousar as nádegas dos selins novos que nos quebram ao invés de quebrarem, e para emborcar um saco de pufuletis para cada um, gelados ao preço da chuva, melões e bananas e a lata de milho com abertura fácil. Algo que não é comum por aqui. Na próxima viagem de bicicleta, não esquecer um valioso e imprescindível abre-latas!

Foi num destes perdidos magazin mixt, que uma língua enferrujada despertou nas nossas mentes. De repente a dona da loja começa a falar espanhol connosco! Eis que ao ouvir-nos a falar português, a curiosidade falou mais alto e num momento de coragem, perguntou se não falaríamos espanholl. Ao som da lata de patê que se abre, do gelado que se sorve, da faca a deslizar sobre o toucinho, lá fomos conversando com esta natural da Roménia que vivera durante sete anos em Almeria e que adorou todos os momentos que lá passou. A servir às mesas num restaurante de peixe e marisco, com o marido e os filhos inseridos na sociedade das siestas, contou-nos das saudades que sentia do jamón e das texturas não apreciadas do marisco e peixe com que trabalhava todos os dias. Mas as saudades falaram mais alto e o marido decidiu voltar para casa e para o campo. Investiram as suas poupanças nesta loja e agora, como ela disse, vá de trabalhar para nada! Ou quase nada... Na Roménia não é tão fácil, como na Espanha. Aqui o salário mínimo ronda os 150€/200€ e os preços dos bens essenciais, não são assim tão baixos como isso, quando comparados com os de Portugal, que deixámos para trás. Como estarão os preços na nossa terrinha, depois da crise que a custo ouvimos falar no outro lado da Europa?

Passámos um bom bocado com ela, a comer a bucha da tarde. Mas o nosso despertador cinzento e fofinho das alturas assinalou a hora de partida. Eis que vêm aí chuva.

Pedalámos o final da tarde ao longo de um comprido, mas estreito lago. Nas suas margens lá fomos percebendo que aqui o negócio é a pesca e que se pode alugar um espaço onde espetar a cana de pesca em sítios privilegiados do lago.

Nem sempre é fácil encontrar um spot de campismo selvagem. Para não arriscar entrar numa cidade e perder ainda mais tempo, com a pouca luz do sol poente, tirámos os alforges e às prestações carregámos as tralhas e as meninas, para cima de um "muro de arbustos". Depois da pequena escalada, sempre estávamos abrigados dos olhares da estrada, a dois metros de nós.

Cozinhar à chuva, comer à chuva, lavar a loiça à chuva. Acções corriqueiras no interior de quatro paredes, mas que ganham outra dimensão durante um campismo selvagem.
Pelo menos dentro da tenda, não chove e conforto da cama azul põe um ponto final a mais um dia de Transilvânia campestre.

Targu Mures – Campenita

Estamos em Julho, mas a chuva não dá sinal de esmorecer. Com dias assim, quem e que quer pedalar?

Não fizemos grande esforço para sair de casa cedo. Gyorgy, já tinham ido para o serviço, quando nos juntámos à Gyupi no pequeno-almoço. Ela tinha o estudo para pôr em dia, para o exame de dentatologia que se avizinha e que podia decidir o futuro dela. Antes de ir à universidade ter com uma colega, guiou-nos até à oficina da sua cara-metade, com uma paragem de dez minutos na casa dos pais dele. Foram dez minutos, mas houve tempo para apresentações, vislumbres de uma horta bem composta, de nos sentarmos à mesa da cozinha e provarmos as doces delícias que a mãe do Gyorgi colocou ao nosso dispor.

Ao chegar à oficina, a agitação normal de uma oficina concorrida, com o acrescento dos mensageiros que entravam e saiam a pingar da chuva tropical. Mesmo com chuva, deu para darmos uma limpeza às biclas.
Fomos adiando, fomos ficando, à espera da chuva, à espera da nuvem que passe. E eis que chega a hora do almoço e temos que comer. E o tempo vai passando, mas a chuva nem por isso... Chega de esperar. Com chuva, fomos para a estrada, e com ela pedalamos durante 20 e poucos quilómetros. Sem energia ou vontade de pedalar sequer, começamos a pensar em acampar, assim que um sítio se proporcionasse.


No topo da colina lá apareceu o spot. Num squish squish de terra ensopada avançámos devagar pelo meio da erva e lama. Atrás de uma sebe, escondidos da estrada pela colina. As distâncias eram tão grandes até às casitas da paisagem, que não nos preocupámos com a visibilidade da nossa casa amarelo pum espampanante. O tempo molhado e a casa nas alturas, sempre afastou a hordas de mosquitos rotineiros dos vales.

A chuva esmoreceu. As ovelhas tilintavam os chocalhos. Ao longe, dois pastores juntam-se em conversa, mas os rebanhos respectivos ficavam bem separados. Pudemos desfrutar de vales e colinas até onde a vista alcançava, algures onde o sol se pôs

Sighisoara – Targu Mures

A pergunta tem que ser feita, quando dia após dia, as nuvens são cinzentas e a chuva uma ameaça constante. Onde está o Verão?

Seriam uns pacíficos 50km até ao próximo destino, mas queríamos tentar (como sempre) sair o mais cedo possível. Mas não contávamos com a mãe do Adi. Assim que nos viu, começou a preparar um tremendo farnel para o pequeno-almoço. Vá de ovos, tomates e pepinos, fiambre, pão, leite, batidos, compotas e cereais. Ainda tivemos direito a frascos de compota, mel e mais ovos cozidos para a viagem, apesar das nossas parcas tentativas de a impedir.

De novo os adeuses...

A chuva ameaçava mas não cumpria e nós, aproveitávamos a bonança para continuar a pedala na paisagem campestre da Transilvânia.


Um pouco mais tarde, durante uma subida, reparamos num carro de feições familiares estacionado e de portas abertas, com duas pessoas cá fora. O Adi e Alexandra, a caminho de Targus Mures, não quiseram deixar nos dizer olá e de nos entregar uma lista de nomes de terreolas que teríamos que passar para evitar as principais cidades e estradas.

Em Portugal, tínhamos um mapa militar com tudo o que era carreiro de cabras marcado e sinalizado. Casa, casebre e altitude. Tudo estava lá. Em Espanha, experimentámos um pouco pedir direcções de pessoa em pessoa. Mas as sinalizações eram boas e só nos troços de auto-estrada é que havia mais dúvidas. Um achado no último albergue de peregrinos em Espanha! Um quilo de mapa de estradas de França, actualizado até 2010. No barco de Córsega para Sardenha, uma conversa com o nosso primeiro Italiano e um pedido de vislumbre do mapa da ilha, resultou na oferta da carta Italiana, por um completo estranho. Na Grécia, lá abrimos a carteira e comprámos um mapa em Igoumenitsa. Mas não durou muito e algures a caminho de Creta, ficou esquecido no banco do jardim. A Maria de Iraklio, ofereceu-nos o mapa Turco e desde aí, que têm sido ao improviso que nos orientamos. Foi a isto que chegámos na nossa tecnologia "GPSssica". Um papel amarelo amarrotado, com meia dúzia de nomes de vilas e aldeias, de pronúncia estranha e que nunca ouvimos falar. O nosso mapa para a Transilvânia.

Targus Mures apresentou-se como mais uma cidade média europeia. cadeias de supermercados nos arredores, prédios e trânsito nos subúrbios e um centro histórico todo arranjado, na forma de um parque/jardim central, rodeado por edifícios restaurados. Foi aí que o Gyorgy veio ter connosco, de bicicleta! E de bicicleta fomos para a casa dele, onde a Gyupi nos esperava. Estacionamos as nossas meninas junto às dele. Mais bicicletas. Estes dois vivem e respiram bicicletas. Fazem viagens de bicicleta, têm ídolos no downhill e Gyorgi decidiu levar a a paixão dele mais a sério e com mais dois amigos, abriram uma pequena empresa de mensageiros de bicicleta. Aos poucos e com o suor dos três, vai crescendo. Agora já têm empregados e até a sua pequena loja/oficina de biclas.

Com eles, estávamos em casa. Sabiam o que nós queríamos e depois de uma cházada, veio o manjar de queijos, toucinhos, cebolinho, compotas e pão. Eles percebiam-nos. Mas nós não os percebíamos quando falavam. Algo de estranho na sua voz, que não soava a romeno. Porque depois da pergunta, veio a resposta. São húngaros. Tal como nos avisaram, em Bucareste, a Transilvânia está mais povoada com húngaros do que com romenos. Até hoje isto fez-nos confusão, mas Gyorgi explicou tudo numa frase. "É como o país basco em Espanha. Nós já aqui estávamos, em tempos de impérios austro-húngaro, mas depois da derrota na primeira guerra mundial, os Senhores do Mundo traçaram outras linhas e a Roménia cresceu. Nós já aqui estávamos. A Roménia, veio depois!"


Depois do manjar, veio o descanso e o fechar de olhos durante um par de horas.

É dia de aniversário. Um dos amigos deste casal, convidou-os e nós vamos por acrescento. É num bar/café, por isso não há
problema. Os Nomadiclas nas suas bicicletas, Gyorgi e Gyupi, os dois numa só. Para eles é tão natural como para nós levarmos alforges.


Peculiaridades... Num grupo com mais de 20 adolescentes e alguns mais graúdos, os rapazes nunca cumprimentavam (nem sequer olhavam) para as raparigas. Será algo húngaro? Não sabemos e não percebemos a explicação. As conversas cruzavam-se e entrelaçavam-se. O tilintar de copos, e chávenas e garrafas, misturava-se com as conversas nas outras mesas e sem darmos por isso, ficámos com uma tatuagem no braço, dissemos olá a um casal sueco, numa Transilvânia onde a voz é húngara e ao sairmos para a rua, experimentámos algo de novo.

Se conduzir, não beba. Por isso é que nós andamos de bicicleta. Mas com umas garrafitas de cerveja, a experiência é outra.

Sighisoara

O Adi trabalha com e para o desenvolvimento do Ubuntu. Entre isso e outros trabalhos a maior, parte do seu dia é em frente ao computador. A Alexandra, faz algo similar. Uma espécie de recursos humanos pelo telemóvel e Internet onde lá vai orientando pessoas para cuidarem dos idosos, que a sua contrapartida Austríaca encontrava. Isto para dizer, que os horários dos dois são mais flexíveis que o normal. Além disso era fim-de-semana, por isso os pequenos-almoços misturavam-se com as horas do almoço e o jantar era algo em que logo se pensava.


Os pais do Adi, andaram atarefados e apenas na noite de domingo, conseguimos comunicar devidamente com eles. Entre casamentos e visitas aos seus pais, passaram os dias fora de casa. Comunicar como quem diz, porque a mãe do Adi, não fala inglês e o pai para surpresa de todos lá desenrascou umas palavras e conseguimos ter uma pseudo conversa.
Mas antes de saírem para os seus compromissos, a mãe do Adi assegurou-se que não nos faltava nada para pequeno-almoço. Vá de café, leite, pão, tomates e pepinos, compotas caseiras e algo de novo para nós, vinete. Uma pasta de beringela. Nós experimentámos e comprovámos que era de facto delicioso, mas barrámos uma quantidade que para nós seria a quantidade normal de barramento numa fatia de pão. Eles viram a primeira vez que o fizémos, entre os cafés, os enchidos e os batidos de banana, e disseram, "não não!" Têm que pôr mais no pão! Assim é que é bom." Se bom era, melhor ficou este vinete com pão, ao invés de pão com vinete.
No tempo do comunismo e da cortina de ferro, as coisas eram um pouco mais rijas por aqui. Dos pormenores e detalhes que vamos descortinando, descobrimos que bananas e laranjas, só no Natal! Não se encontrava em mais lado nenhum durante o resto do ano e o governo apenas as importava durante a celebração anual. Ou seja, as recordações de infância do Adi, relativamente ao Natal, estão associadas aos sabores destes dois banais frutos para nós. Assim se explica que O Adi e a Alexandra, adorem comer batidos de banana ao pequeno-almoço. Traz boas recordações.

Nós, juntámo-nos à vida normal do Adi e da Alexandra.
Entre os dois, existem cães e gatos. E há dois ou três dias, Adi encontrou à porta de casa uma jovem coruja em dificuldades. Trouxe-a para casa até ela se recompor. Como ele não é nenhum perito em corujas, usa aquilo que melhor sabe, a Internet, para as duvidas que a coruja lhe vai colocando.
Visitas ao veterinário, visitas à loja dos animais, visitas ao supermercado para preparar um chili de soja e passar o resto do dia em casa, à espera que o tempo desse sinal de chuva ou não. Como não melhorou, lá teve que ser. Um serão ao sabor do chili, dos vinhos e licores caseiros, das palinkas (o medronho cá do sítio) e da doçaria que o pai do Adi trazia do trabalho.


No domingo o tempo ficou bem mais soalheiro e aproveitámos para participar em mais um costume que ficou por cá devido ao comunismo. Na altura não havia muitas televisões. E mesmo as que houvessem, apenas apanhavam a emissão controlada pelo governo de quatro horas diárias. Sem muitas mais diversões, o povo, fazia aquilo que podia. Juntavam comida, juntavam as pessoas e lá iam todos para um rotineiro piquenique. Todos os dias livres, soalheiros era possível ver famílias e grupos enormes de toalha estendida na relva e de carne na brasa.
Nós não tínhamos carne, mas tínhamos os restos do chili, e entre uns pedacinhos ali, e umas jolas acolá, fomos buscar mais um para a festa e lá estendemos a toalha junto às margens de uma lago. A praia aqui está a mais de seis horas de carro. Ao longe, podíamos ver outros grupos similares ao nosso. Uns com mais crianças, outros com mais canas de pesca, outros com música, mas todos no mesmo sítio para o mesmo. O prazer do domingo.


A noite chegou e fomos visitar a razão da placa da Unesco à porta da cidade. O centro histórico.
Não há muitas fotos deste passeio. De qualquer forma, não iriam transmitir aquilo que vimos. Ao passar as portas para o centro, debaixo do relógio da torre, entrámos num aglomerado de ruinhas e ruelas em tudo similar aos "outros centros históricos" espalhados por esse mundo fora. Mas o facto de ser de noite e de as ruas estarem desertas e de ficarmos a saber que neste centro, ainda se vive e ainda se respira, fez desta visista que teria tudo para ser turística, uma passeat descontraída pela noite. As pessoas vão à câmara que lá está há séculos e os estudantes frequentam as mesmas paredes que os seus tetra-avós frequentaram.
Esperámos debaixo do relógio, só que do sítio errado, pela meia noite e pelos bonecos que no alto se animam por uns instantes.

Fizemos as despedidas num bar. O único aberto até depois das dez. Com bebidas e conversas das gafes do governo. Dissemos adeus à Alexandra que foi de bicicleta, ao Alex e ao Silviu os últimos conselhos para a visita a Portugal e nós fomos a pé para casa.

Vistea de Jos - Sighisoara

Cinco minutos depois do despertador, o empregado da bomba vem bater-nos à porta, sem saber que já estávamos acordados. O patrão chegava às oito e tínhamos que sair dali o mais depressa possível.
Quando atravessámos a porta a caminho da rua, vimos os dois empregados que nos abriram a porta já dentro do carro, mesmo acabados de sair do seu turno. Acenámos adeus e obrigado, e trocámos sorrisos.
Enquanto matávamos o bicho, assistíamos às rotinas da estação de serviço. O camião que enchia os tanques subterrâneos de gasolina, os empregados do novo turno, a medirem com uma régua a altura da gasolina nos tanques, as sucessivas idas à casa de banho de todos os camionistas. E tudo em sentido quando chega o chefe! Ele chegou, e nós partimos!

Supermercado! Compras! Lanche da manhã! Bicicletas! Muita gente a fazer as suas deslocações na cidade com a bicicleta, na sua maioria pasteleiras. E quando nos pusemos a reparar nos quadros, bem antigos, vimos que não tinham soldaduras, mas os tubos que se encaixavam uns nos outros!


Começámos a subir as colinas verdejantes, devagar! Ondulámos ao sabor da brisa que escondia e destapava o sol. Se tapava o sol, arrepios,... e caíam umas pinguitas de chuva, que secavam logo, por causa do calor! Os postes da electricidade de madeira tortos e toscos seguiam lado a lado connosco na estrada. O sossego do campo, deixava ouvir os cucos e aves de rapina sobre nós! A nossa roupa andava numa roda viva entre as malas e o corpo. Ora estava calor de transpirar ora vinha uma descida com uma nuvem a tapar o sol. Entre o despe e veste de impermeáveis a bicicleta do Alexandre caiu de tonta, mas levantou-se de seguida, ilesa.


De repente, entrámos na selva! O alcatrão acabou, as árvores eram bem mais altas que os postes. Poças de água e buracos. A terra, a lama e as pedras eram a estrada. África. Só pensávamos em África! De onde é que isto apareceu, pensávamos nós! Devemos ter passado algum portal de teletransporte e aterrado em África! Parecia um outro mundo! Era tudo tão inesperado que até esperámos encontrar um leão! Talvez mais um urso, ou um veado!

O Alexandre a dada altura pôs luto pela perda dos óculos de sol! "Perdi os óculos!". O mais provável é que tenham caído para o meio das ervas altas quando a bicicleta caiu!


A Transilvânia continuou a mostrar-nos as suas surpresas. A paleta de cores a pintar os vilarejos, de estradas esburacadas e terra batida. As pessoas no meio da estrada de bicicleta a desviarem-se dos buracos. Motoretas, bicicletas a motor, carroças! A rua principal cheia de movimento. As casas coladas umas à outras, Às vezes com uma ruela no meio, de terra e lama, ainda mais esburacada. Mais uma espécie de buraco com rasgos de estrada! A fachada das casas a mostrarem a data de (re)construção nas fachadas, numas cores vivas, que de critério, para a sua pintura, só conseguimos descortinar a regra de não ser da cor das casas vizinhas! Muita  gente de foice na mão a cortar a relva em frente à casa. Outros a descansar à sombra, sentados ou de pé, a conversar ou apenas a contemplar.

Algumas pessoas pousaram para nós! Algumas acenaram! As crianças gritavam-nos "Hello!" e no geral sentíamo-nos bem porque era tudo muito bonito e diferente e rural elevado á quinta potência. Só quando parávamos sentíamo-nos extraterrestres. Vinha tudo rodear-nos, como quem não quer, e olhar e escutar estes dois estranhos de bicletas com malas amarelas!


Prosseguimos de aldeia em aldeia pelo meio dos buracos e das carroças e casas do campo coloridas. As crianças, já de férias, brincavam pela rua, cheias divertidas e criativas. Brincar na água que corre na valeta, sentados num cobertor a brincar aos carrinhos.

Chegámos a Sighisoara atrás de uma carroça que seguia pela rua principal até ser proibida pelo sinal. O Adi, o nosso couchsurfer, esperava por nós em casa.
Os compromissos para a noite fizeram-nos tomar um banho rápido e sair para encontrar os amigos no bar. Um deles fazia anos! Outros dois queriam visitar Portugal. A esta altura já lá devem estar. E por último a Alexandra, a namorada do Adi, juntou-se a nós, comemos umas pizzas e bebemos umas cervejas!

Voltámos a casa a pé a saborear a noite! E em casa o pai do Adi deixou em cima da mesa uma travessa de bolinhos que trouxe do trabalho! Um copo de vinho e conversa pela noite dentro. Só fomos para a cama às três e pouco! Muito cansados!

Transfagarasan – Vistea de Jos

Estávamos a 15 quilómetros do topo. Ainda nos faltavam mais mil metros de subida. A chuva de toda a noite não parou com os primeiros raios de sol. É interessante estar enfiado em lençóis, sabendo que em menos de uma hora a nossa vida se tornará miserável, molhada e fria. Estamos no Verão? Junho a acabar, Julho a começar, mas os cumes ainda estão carregados de neve e as roupas de Inverno saíram do fundo dos alforges.


Ao pequeno-almoço de ovos, tomates, pepinos, queijo, café, sumo, pão, fatias de fiambre e salame, juntámos as nossas bananas e o nosso muesli. Ficámos sem comida para o resto do dia. Duas maçãs e algumas fatias de pão guardadas do cesto do pequeno-almoço. Estávamos de barriga e energia repostas, equipados para o rigor das montanhas e mentalizados para um dia de dor.

Mas algo se passou. A chuva parou assim que começámos a pedalar. As nuvens descobriram o suficiente da paisagem e com as alturas a vegetação cerrada começou a escassear.


Aquilo que vimos durante as quatro horas e quinze quilómetros seguintes ficará para sempre como um dos momentos mais belos da nossa viagem. Rendemo-nos por completo à beleza dos Cárpatos e da Roménia.

Foi sempre a subir durante os quinze quilómetros. Sempre nas mudanças mais baixas. Mas não havia oportunidade para o cansaço se instalar. Estávamos sempre a parar de cinco em cinco minutos para tirar fotos. Fotos, fotos e mais fotos. Não queríamos perder este momento e só nos lembrávamos de toda a gente com quem queríamos partilhar este pedaço de estrada nas montanhas.

Havia de tudo! Pequenos túneis cobertos de vegetação.


Curvas a serpentear os vales.


Pequenos chalés a contrastar com a imensidão das montanhas.


Sinalética de altitude.


Nevoeiros que nos envolviam durante momentos e nos libertavam de novo para a envolvente Natureza.


Pastores e caçadores.


Cavalos, aparentemente selvagens.


Pontes nas alturas, com cascatas que lá se originavam


Suficiente neve para fazer bolas de neve.


E o túnel... O famoso túnel era mais parecido com uma caverna. Eram quase duas da tarde. Ainda não tínhamos almoçado. O pouco ar das alturas e o cansaço das pernas e emoções já se faziam sentir. E ainda tínhamos um quilómetro de buracos em plena escuridão para atravessar. Enfiámos tudo o que era reflector no corpo. Ligámos as luzes traseiras e as parcas lanternas. A da Ana era a mais forte, por isso ia ela à frente. O plano era irmos os dois bem juntos, porque o Alexandre não ia ver nada, nem conseguir desviar-se dos buracos da caverna. E quando algum carro, ou camião viesse, encostávamos se fosse preciso. Mas nunca nos podíamos separar.
Tinha que ser. Assim que entrámos na escuridão parecia que tinham aberto as portagens! Vá de camiões, autocarros e motas a encher tudo com um ruído ensurdecedor. Por vezes não era tão mau, porque iluminavam um pouco o túnel. Algures durante a travessia, a Ana avançou mais rápido e acabámos por ficar separados. "Ana! Espera por mim que não consigo ver nada!" Apenas um ponto de luz no fim da caverna, me indicava a direcção a seguir. Aos poucos, devagar, devagarinho, lá conseguimos chegar ao fim.


E foi assim que chegámos ao topo. Coberto de neblina. Muito frio, alguma chuva e neve espalhada em alguns sítios. O lago mais alto da Roménia também estava aqui. As nuvens deixaram durante cinco minutos a zona e pudemos ver como deve ser o lago e a sua envolvente paisagem.
Muitas motas. Alguns carros. Muitos stands de souvenirs arromba carteiras.
Emocionados por ter conseguido chegar até cá acima. Ás três pancadas e sob mau tempo. Com placas a dizer para voltarmos para trás e pouco comida nos alforges. Nunca tivemos tão alto nesta viagem.
Não nos demorámos. Comemos o resto do pão, as maçãs, vestimos mais roupa e lá fomos nós para a montanha russa! Trinta quilómetros de estrada serpenteante até à Transilvânia. Mas o impressionante é que podíamos ver toda a estrada no mesmo campo de visão, a descer o enorme vale. Como seria se tivéssemos subido por aqui?


Foi sempre a descer! Curvas, mais túneis verdes, mais pontes. E aos poucos sentíamos uns calafrios. Não de frio, mas de calor. Estávamos a sair das montanhas e o Verão está ao voltar. Que bem que soube!

Na primeira vila que encontrámos, parámos para comer. Comprámos mais ingredientes para o jantar e começámos a dizer adeus aos Cárpatos e ao Transfagarasan. Durante os últimos dois dias, esta estranha palavra dominou as conversas e foi ouvida dezenas de vezes. Uma palavra que nunca ouvimos antes de chegar a Bucareste, mas que não esqueceremos a partir de agora.

Podia estar calor, mas nem por isso a chuva parou. Pedimos a um rapaz de uma gasolineira se podíamos montar a tenda no alpendre de um velho edifico. Em vez disso, ele foi lá com a chave e abriu-nos a porta. Montámos a tenda dentro de casa e dormimos um noite descansada, longe da chuva e do frio. Secos!

Zigoneni - Transfagarasan

Que dia!


Noite sob chuva e um arrumar de tenda com as pingas a cair. Lá nos orientámos para nos despachar e continuar a nossa travessia. Rapidamente, chegámos a Curtea de Arges e por lá nos abastecemos com o que achámos que devíamos abastecer para uma pedalada entre as montanhas. Não foi muito e em retrospetiva, nem pouco mais ou menos!


Os sinais continuavam a anunciar que a estrada estava fechada. Mas de vez em quando víamos uns carros e até uns camiões a vir no sentido contrário e dizíamos para nós próprios, que talvez os sinais estivessem desactualizados.
Será que já estamos no Transfagarasan? Não vimos nada que nos dissesse que sim ou que não. Apenas a paisagem continuava a ficar cada vez mais bela e impressionante. Tal como na Bulgária, a memória dos Pirenéus veio ao de cima. Mas vezes dez! Até algumas casas nos faziam recordar a arquitectura basca.

As árvores começaram a cerrar as fileiras. A Natureza tomou conta de tudo. Os riachos acabaram em pequenas quedas de água, encontrando caminho até ao rio que a estrada segue. As casas começaram a escassear.  Continuámos a ignorar os avisos...

Algures durante a manhã, um camping Drácula junto a um hotel. Um autocarro cheio de miúdos que acabaram de descer uns degraus que entram floresta adentro num imponente penhasco. Pelo vistos lá em cima estava o castelo do Vlad III, o Impalador. Mais conhecido pela escrita inglesa, como Conde Drácula. Algo que os romenos não gostam de ser associados. Não nos demorámos na área. À nossa frente o verde, as pontes, os desfiladeiros e alguns túneis começavam a deixar-se ver. No mesmo campo de visão! Não existem fotografias que mostrem a beleza do sítio.


Começaram as subidas. Muito inclinadas, sim. Mas nem nos apercebemos delas. Estavámos embriagados com a paisagem. Impressionante não é a melhor palavra, mas é a primeira que nos surge.
Pedalámos sozinhos durante a maior parte da manhã. De vez em quando, alguns motociclistas de alforges metálicos e de plástico, alguns sacos estanque e equipados para o que der e vier. A nossa versão motorizada. Com matrículas de todo o lado. Alemanha, Polónia, Roménia, Checoslováquia,  Eslováquia, Dinamarca... Tivemos a sorte de ultrapassar um dos nossos irmão a motor. Não porque fossemos mais rápidos, mas porque ele parou para as fotografias. Metemos conversa.
"You”re going to the top?" perguntou este romeno, num impecável inglês. "Yes", respondemos nós. "You have a loooong way to the top!" respondeu. Perguntámos se sabia se a passagem estava aberta. A confiança surgiu com a sua resposta afirmativa. Tinha vindo do outro lado esta manhã e estava agora a fazer a viagem de regresso. Despedimos-nos, com a seguinte informação: neve, gelo, chuva, vento e frio era o que nos esperava no topo! "You'll have lot's of fun!", disse o moto-viajante de sorriso na cara!


Depois de muita subida, lá nos deparámos com uma gigante barragem, enfiada entre um apertado desfiladeiro e criando um enorme lago atrás de si. De vez em quando sentíamos umas pingas, mas não molhavam o suficiente para sacar a vestimenta impermeável. Junto ao lago, alguns stands com os inflacionados souvenirs e batatas fritas de estropiar a carteira.

A vontade de ligar o fogão não era muita, por isso ficámo-nos pelos pepinos, tomates e sandes de queijo, marmelada e azeite. Não é o melhor combustível para atravessar montanhas e barreiras naturais, mas foi o que nos apeteceu na altura.
Com um sinal de net roubado da pensão ao nosso lado, fizemos algo tão óbvio, mas que não nos lembrámos de fazer em Bucareste, antes de estarmos enfiados em pleno Transfagarasan. Googlar Transfagarasan e ver o que a Wiki nos dizia. Na altura apenas vimos as fotos. Isto foi o que lemos, a poucos minutos de começar uma tromba de água que nos encharcou até aos ossos!

"Estrada mais alta da Roménia, atravessa as montanhas de Fagarasan a mais de 2000 metros de altura. Antiga estrada militar e a via com mais túneis do país. Cinco túneis e o maior e o mais alto, com quase um quilómetro de distância. Um quilómetro de caverna escura, não iluminada esperávamos mesmo antes de chegar ao topo. Estrada esburacada, com curvas apertadas sem railes de protecção, em alguns dos locais mais críticos".
Onde raio é que nós nos enfiámos e tentámos ultrapassar com pepinos e marmelada!?! O topo ainda estava a mais de sessenta quilómetros e não existiam vilas ou gasolineiras pelo caminho!


A estrada que circundava o lago dominou o resto da tarde. Nada de subidas inclinadas. Trombas de água que nunca mais paravam, sim! Estrada em obras e um constante pedido aos nossos reflexos para evitar os buracos, as lombas, e as poças de lama. Em especial junto às quedas de água que transbordavam para cima da estrada. Foi assim o nosso primeiro dia de Transfagarasan. Molhado, exaustivo, com um selim que teimava em quebrar-nos o rabo.
Tivemos um momento interessante em que numa curva apertada a Ana seguia em frente e olhou para cima para ver de onde vinha todo o barulho. Viu uma escavadora a dar uma meia volta completa e a bater num calhauzão que rebolou monte abaixo e passou no único sítio da vedação com buraco e caiu num estrondo em cheio na estrada. É claro que até voltar a ver o Alexandre a surgir logo depois desta cena passaram-se mil segundos até respirar de alívio e ver que estava intacto. Por um triz! Maldisse todos aqueles trabalhadores incautos que permaneceram nos seus postos a assistir à cena!

Mas tudo valia a pena. Apenas um piscar de olhos para a beleza natural que nos rodeava ser o suficiente para nos encher a barriga!


Lembrei-me de ver algumas placas, de manhã, a anunciar um chalé/hotel/pensão ao quilómetro 104 da Transfagarasan. Foi com essa esperança que continuámos a pedalar sob a chuva. O feroz rio que corria ao nosso lado esquerdo, ensurdecia os nossos ouvidos com o som da água a correr. A selva de pinheiros, cedros e vegetação cerrada à direita eliminava as hipóteses de um campismo. Já para não falar da logística de fazer uma refeição à chuva.

Mas algures antes do quilómetro 104, um hotel perdido no meio do nada, assomou-se. Nem pensámos duas vezes. Subimos a rampa de acesso, encharcámos o lobby de entrada e o quarto no quarto andar, com as nossas malas e roupas molhadas. Tínhamos o hotel por nossa conta e um pequeno-almoço incluído esperava por nós na manhã seguinte.

As roupas estendidas sobre o aquecedor. O banho de água quente. O arroz  com lentilhas e couve, enganou a fome. Pequenos confortos ao fim do dia.

E lá fora, através da janela, do conforto do colchão a chuva continuava. Os cedros enchiam as montanhas e as nuvens jogavam às escondidas com os cumes. É assim nos Cárpatos.

Produlesti - Zigoneni

É interessante acordar num milheiral. As folhasainda estão a pingar do orvalho. O sol nasce por entre elas e ilumina a casa amarela. Lá dentro, apenas um raio de luz é o suficiente para iluminar todo o espaço numa luz branca e difusa, que faz o acordar ser algo suave. O som dos animais ao nosso redor, complementa este cenário. Assim como os altos e baixos do solo remexido, no qual as nossas costas tiveram toda a noite para tentar ajustar-se.


Ui! Ai!! Dor aguda ali. Pontada de sofrimento na nádega esquerda. São assim os bons dias entre o nosso rabo e o novo selim!

A pedalada pela Roménia campestre continua. Já começamos a vislumbrar no horizonte os Cárpatos. Aos poucos, vão ganhando forma, crescendo e tomando conta das nossas imaginações à medida que deles nos aproximamos.
Pelo caminho incontáveis carroças. Inúmeras casas à beira estrada, com cercas a esconder as suas cores e pequenas hortas. É nestes cenários que gostamos de pedalar. Calma nas vistas e nas estradas. Existe uma auto-estrada a quinhentos metros à nossa esquerda, que faz a ligação entre Bucareste e Pitesi. Nela circulam a maior parte dos camiões e automóveis, deixando-nos um pouco mais de espaço na estrada para as bicicletas.


Numa destas aldeias, procuramos sinais de uma lojinha de conveniência. Magazin Mixt, como aqui se chamam. São dez e meia e precisamos de algum combustível adicional. A loja entra em silêncio assim que entramos. Somos forasteiros e salta à vista. Os alforges ajudam. Os nossos olhos analisam todos os produtos numa rapidez adquirida com a prática. Procuramos pão, açúcar barato e talvez um pouco de sal, talvez um capuccino de máquina por vinte e cinco cêntimos.
Na única mesa da esplanada, montamos a bucha da manhã. Numa divisão ao lado, uma televisão falava romeno com o Manuel Luís Goucha cá da zona, nas manhãs da Pro TV.
Os clientes da loja vieram cá para fora acabar a sua conversa, aproveitando para cuscar os hábitos alimentares de dois portugueses de bicicletas. A senhora que nos atendeu, começou a apontar para a máquina fotográfica. Pela sinalética, percebemos que queria uma fotografia. Não de nós, mas que nós lhes tirássemos a ela! Satisfizemos o seu desejo. Cinco minutos depois, dois gelados vieram parar à nossas mãos. Como a Ana nãos os pode comer, o Alexandre fica com um sorriso a dobrar!


Algumas nuvens começam a ficar cinzentas. Talvez não hoje. Amanhã se calhar... Veremos.

Em Pitesi, um centro comercial junto ao rio. Alguns bancos de jardim no seu exterior serviram para repousar. As montanhas estão mesmo à nossa frente. Assim que começarmos a pedalar, entramos num mundo de altos e baixos de certeza. Não há caminho fácil para as atravessar e o nosso até tem nome. Transfagarasan.

O senhor da gasolineira que nos deu indicações alertou-nos que talvez a estrada estivesse fechada. O mau tempo anunciado para amanhã não combinava bem com o alerta do rapaz. Muito menos a placa que encontrámos bem visível uns quilómetros mais há frente. Transfagarasan Inchis. Estrada fechada. E agora? Voltamos para trás e seguimos o caminho normal, cheio de trânsito e talvez mais aborrecido? Voltámos para trás e damos uma volta de mais de cem quilómetros para chegar ao outro lado das montanhas? Ou tentamos a nossa sorte e seguimos em frente, arriscando voltar para trás no topo, depois de todo o esforço para lá chegar, adicionando ainda mais quilómetros ao regresso para a estrada aborrecida e uma segunda subida aos Cárpatos? Nunca nos perdoaríamos por não tentar e sem sequer falar muito sobre isto, continuámos a pedalar. As vistas compensariam o tempo perdido nas piores das hipóteses.

Assim temos que pensar, quando nos embrenhamos cada vez mais nas montanhas, cada vez mais em vilas onde a etnia rron (com dois «R”s») é predominante. As vilas parecem pegar-se umas às outras. Cercas e plantações tornam difícil de encontrar um sitio onde descansar.

Por detrás de um aviário, ou assim nos pareceu, entre trigo e milho, com as montanhas na nossa janela, adormecemos para mais uma noite de campismo.

Bucuresti - Produlesti

De volta à estrada, depois de dizermos adeus aos queridos amigos Don Dan e Mishu, e comido um pequeno almoço substancial.


Graças às conversas com o pessoal de Bucareste, começámos a ouvir falar de uma estrada que atravessa os Cárpatos e que apenas está aberta de Julho a Outubro e mesmo nessa altura, depende da metereologia. Que fez as honras à casa na série Top Gear, como a melhor estrada da Europa, no que toca a curvas, túneis, pontes e vistas impressionantes. Não sabíamos que caminho seguir a partir de Bucareste. Mas desde que a estranha palavra chegou aos nossos ouvidos, Transfagarasan, e depois de umas imagens na Internet, que decidimos ver com os nossos próprios olhos esta estrada de que todos falavam maravilhas!

Passámos pela "posta" da Roménia para mandar roupa e peças de bicicleta que estavam apenas a ocupar espaço e peso nas malas, e seguimos viagem seis quilos mais light.
A cidade ficava para trás, arrecadada nas memórias, e surgia diante de nós outra Roménia. De agricultores, estradas esburacadas e carroças puxadas a cavalos ou burros.
Os selins novos, a darem cabo das costas e do rabo, e segundo o prognóstico, vai ser assim durante mais duas semanas. Pelo menos...


Muito calor e trânsito de uma estrada nacional cheia de carroças a fazer aumentar a fila de carros e a diminuir as velocidades.
De repente, vimo-nos rodeados de batatas por todo o lado. O aspecto das pessoas é duro, da sua lavoura diária de sol a sol.
Nos campos apanham-se batatas e na estrada, carroças, carrinhas, camiões, e carros vendem-nas ou transportam-nas em todas as direcções, numa nuvem de poeira. A mega convenção das batatas,ou mega reunião de batateiros, como lhe chamámos!


Enveredámos por uma pseudo estrada de terra (para um tractor, talvez) coberta de de ervas altas e amarelas torradas e plantações. Há para todos os gostos, milho, trigo, girassóis.
Montámos a tenda, e o Alexandre controlava a comida ao lume enquanto eu fui fazer xixi ao milheiral. Já o sol se punha e o lusco fusco dominava. Quando me levantei vejo um animal grande aos saltos no meio das ervas altas em frente. Pensei para comigo, mas que grande coelho, deve ser uma lebre. Chamo pelo Alexandre, sem tirar os olhos de lá, para que ele veja também e digo em voz alta, é um bambi!! De máquinas em punho, um a filmar e outro a fotografar sem luz, não conseguimos captar nada. Mas ficámos tão contentes, que até adormecer continuávamos a repetir de nós para nós que tínhamos visto um bambi selvagem!

Bucuresti

Três dias na capital, com uma casa só para nós!

O Dan e a Mishu desfrutavam das areias gregas do Chipre enquanto nós desfrutávamos do calor e chuvas tropicais da Roménia, na capital!


Eles foram de avião e nós a voar fomos pelo trânsito e sob os 40º que se faziam sentir, até a oficina.  Quando lá chegámos, o senhor doutor libertou a maca para receber as pacientes portuguesas hipocondríacas. Nós preferimos sempre prevenir ao invés de remediar. Não somos nenhuns entendidos de mecânica e ainda lutamos para retirar o pneu quando temos um furo! É por isso que as tentamos manter asseadas e as levamos a visitas regulares ao senhor doutor. Pelos vistos, segundo a medicina do leste, a saúde das bicicletas estava boa e recomenda-se! Apenas acrescentámos um guarda-lamas traseiro à bicicleta da Ana que quis manter o da frente, que vinha desde França da cada da Geneviéve e do Vincent.  Os improvisos do Vincent, quando nos ofereceu e instalou os guarda-lamas, em Novembro passado, serviram e aguentaram até agora e vão continuar!


Na oficina o sonoro era dos oitenta. Os velhos álbuns de Metallica, Roxxete, Jean Michele Jarra, entre outros, enchiam a sala de cirurgia com um ambiente descontraído e alegre. Se calhar o ar condicionado também ajudou.
Terminado o check up mensal, fomos ao médico ortopédico. De novo uma baforada de 40º, trânsito caótico, buracos na estrada, ciclistas a fazer ciclocross urbano entre carros e passeios e transeuntes por todo o lado. Só não vê quem não quer. Isto é uma capital, sem tirar nem pôr!

O médico ortopédico, George, recebeu-nos de sorriso. Assim como a Alina, estudante em tempos da língua portuguesa e viajante trabalhadora em cruzeiros turísticos. Fartou-se de tanta festarola e de 8 meses no mar, e arranjou algo mais pacato e relaxado. A loja, não parece um loja de biclas e não fosse a sinalética exterior, nunca a teríamos encontrado.
Assim terminou uma relação de anos. Não que fosse uma má relação, mas preferimos acabar com ela antes que azedasse a sério. Os nossas nádegas têm um novo namorado. Chama-se Brooks, é inglês, com pele de alta qualidade e instalada à mão. O George alertou-nos que irá demorar algum tempo até que nádegas e selim, se encaixem num abraço eterno de conforto e bem estar. Até lá vamos ter que sofrer um pouco! Sentir cada ossinho e músculo da nalguinha!


Ainda estamos no primeiro dia de «Sozinho em Casa», depois de novo voo trântico pelos calores solares, descansámos 30 minutos em casa e voltámos a sair. Fomos terminar uma história que começou em Pachino, Sicilia, passou por Mottola em Puglia e com os acasos da vida, veio para a Bucareste!
Um casal de Bucareste, visitou a Giusi e o Roberto em Abril/Maio deste ano. A nossa estadia em Pachino veio à baila nas suas conversas e a referência deixada no Couchsurfing foi reparada. O casal regressou a Bucareste e entre as pessoas que recebeu em sua casa, um jovem italiano de Puglia com quem nós plantamos árvores visitou-os, na sua viagem pela Roménia. Ao deixar a referência ao Vitto, a nossas caras larocas foram reparadas de novo e fez-se um clique. Andávamos a conhecer as mesmas pessoas! O casal aderiu às leituras do blog e quando repararam que íamos lançados para o Norte pelo leste europeu, algures na Bulgária, decidiu contactar-nos, não fossemos nós passar pela sua terra!
Cristi e Adriana foram-nos buscar à porta do metro e com eles fomos passear pela cidade o resto do dia.

Gostámos de encarar o Couchsurfing como uma caixa de surpresas. Até agora sempre boas! Ainda acho incrível a rapidez e o à vontade com que começamos a falar com as pessoas. É como se fossemos todos uma grande grupo de amigos invisíveis e silenciosos que se encontram por vezes.
Tal como nós, o Cristi e a Adriana, andam a planear fazer uma viagem, no verdadeiro sentido da palavra. Tentar largar as tralhas e os compromissos que os «prendem», para poder ver o mundo, durante um ano. Tal como nós, e como quase todos nós, também eles aspiram a uma vida mais calma na sua própria casa, com a sua própria horta.
Nós mostrámos-lhes sites e contactos. HelpX, WorkAway e MindMyHouse foram só alguns dos mencionadas. Livros de referência sobre casas e construções alternativas foram anotados. Se há algo de que gostámos é da partilha e troca de tudo o que temos apreendido com esta viagem.


Passeámos um pouco pelo parque onde decorria o terceiro festival internacional de folclore. Sempre na conversa, fugimos da sombra das árvores para a sombra dos antigos edifícios da capital. A «old town», andava em obras de restauração e acrescentos às infraestruturas. Muitos bares, muitas esplanadas e muitos amigos que o Cristi e a Adriana iam encontrando pelo caminho.  Uns deles, juntaram-se a nós e todos juntos, sentámo-nos numa esplanada, no paleio, nas jolas e no nada fazer de uma sexta-feira à tarde.

É Verão. O Sol já não serve para nos indicar que é hora de jantar, e a barriga acusa a falta de nutrientes. Fomos para a casa dos amigos do Cristi e da Adriana, acabar o resto do serão. Muitos licores e bebidas espirituosas foram postos na mesa, para alimentar a conversa despreocupada em várias línguas destravadas.

Estamos em Bucarest à três dias. As nossos dedos das mãos já não servem para contar o número de amigos que fizemos desde que aqui estamos.
Ainda tentámos combinar novo reencontro com a Alina e o Adrian, ou com outro casal de Couchsurfers que nos queria conhecer e nós a eles. Mas o cansaço domina por vezes. A preguiça e o merecido repouso social falaram mais alto e durante o sábado e domingo, nada fizemos além de comer, dormir, escrever, olhar para o pequeno ecrã e conhecer uma educadora/artista enquanto se aprende a despejar o lixo em Bucareste!


No domingo à noite, o Dan e a Mishu regressaram com um pouco mais de cor e brilho, alguma areia nos pés e o seu filho adoptivo. Bila, o gato! Negro como a noite, curioso como.... os gatos! Cheirou todas as quinas dos alforges, entrou dentro de alguns deles, analisou os recantos metálicos das bicicletas e quando ficou satisfeito veio conhecer os novos humanos que deambulavam pela sua casa. Nós, preparamos o manjar para a chegada dos nossos amigos e em menos nada, tal como no dia em que nos conhecemos, estávamos à mesa.
É à mesa que conhecemos os truques e segredos de cada terra e país. É na conversa sobre os pratos e talheres que as cores, costumes, sabores, ganham forma e as diferenças ressaltam.

A segunda feira aproxima-se, cheia de trabalho para eles e de estrada para nós.