Campenita – Fizesu Gherlii

Pelo menos não choveu durante a noite, nem pela manhã, proporcionando um acordar seco.

Todos os vales ao nosso redor, encobertos numa neblina serpenteante. Quase que dá para perceber onde corre o riacho lá em baixo. É bom acampar no topo de colinas.


Armados com o nosso mapa da post-it, lá fomos nós pelas estradas secundárias da Transilvânia, rumo ao Norte. Todo o dia a viajar com o campo envolvente, a ocasional floresta, a perdida aldeia, a carroça cheia de palha, as pingas ameaçadoras de vez em quando.
 
As estradas secundárias nestas bandas, não estão propriamente em bom estado, e os reflexos têm que estar sempre em alerta, não vá a roda enfiar-se em buracos, ou a poça de água encher de lama os alforges. Mais do que eles já estão. É um pouco cansativo, mas compensa. Compensa com as vistas e com a solidão no nosso pedalar. Nada de constantes camiões e buzinadelas. Nem de carros super-sónicos voadores prontos para descolar. Aqui os pontos altos, são as ultrapassagens às carroças, a vaca que muge à nossa passagem, ou as magazin mixt.

Nem todas os vilarejos a têm, e quando aparecem, sempre são uma desculpa, não só para repousar as nádegas dos selins novos que nos quebram ao invés de quebrarem, e para emborcar um saco de pufuletis para cada um, gelados ao preço da chuva, melões e bananas e a lata de milho com abertura fácil. Algo que não é comum por aqui. Na próxima viagem de bicicleta, não esquecer um valioso e imprescindível abre-latas!

Foi num destes perdidos magazin mixt, que uma língua enferrujada despertou nas nossas mentes. De repente a dona da loja começa a falar espanhol connosco! Eis que ao ouvir-nos a falar português, a curiosidade falou mais alto e num momento de coragem, perguntou se não falaríamos espanholl. Ao som da lata de patê que se abre, do gelado que se sorve, da faca a deslizar sobre o toucinho, lá fomos conversando com esta natural da Roménia que vivera durante sete anos em Almeria e que adorou todos os momentos que lá passou. A servir às mesas num restaurante de peixe e marisco, com o marido e os filhos inseridos na sociedade das siestas, contou-nos das saudades que sentia do jamón e das texturas não apreciadas do marisco e peixe com que trabalhava todos os dias. Mas as saudades falaram mais alto e o marido decidiu voltar para casa e para o campo. Investiram as suas poupanças nesta loja e agora, como ela disse, vá de trabalhar para nada! Ou quase nada... Na Roménia não é tão fácil, como na Espanha. Aqui o salário mínimo ronda os 150€/200€ e os preços dos bens essenciais, não são assim tão baixos como isso, quando comparados com os de Portugal, que deixámos para trás. Como estarão os preços na nossa terrinha, depois da crise que a custo ouvimos falar no outro lado da Europa?

Passámos um bom bocado com ela, a comer a bucha da tarde. Mas o nosso despertador cinzento e fofinho das alturas assinalou a hora de partida. Eis que vêm aí chuva.

Pedalámos o final da tarde ao longo de um comprido, mas estreito lago. Nas suas margens lá fomos percebendo que aqui o negócio é a pesca e que se pode alugar um espaço onde espetar a cana de pesca em sítios privilegiados do lago.

Nem sempre é fácil encontrar um spot de campismo selvagem. Para não arriscar entrar numa cidade e perder ainda mais tempo, com a pouca luz do sol poente, tirámos os alforges e às prestações carregámos as tralhas e as meninas, para cima de um "muro de arbustos". Depois da pequena escalada, sempre estávamos abrigados dos olhares da estrada, a dois metros de nós.

Cozinhar à chuva, comer à chuva, lavar a loiça à chuva. Acções corriqueiras no interior de quatro paredes, mas que ganham outra dimensão durante um campismo selvagem.
Pelo menos dentro da tenda, não chove e conforto da cama azul põe um ponto final a mais um dia de Transilvânia campestre.

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