Alguém nos disse um dia, bem antes da primeira pedalada, que a nossa viagem tinha começado, no momento em que decidimos fazê-la. E com razão.
Todo o processo, desde a ideia até ao dia da partida, foi uma aventura em si. Se vamos de bicicleta ou não. Se os alforges são assim ou assado. Se tentamos o couchsurfing ou não. Qual a rota? Foram decisões atrás de decisões, sempre com dúvidas e sempre com a boa ansiedade associada à descoberta. O fascínio de olhar para objetos e situações normais, sobre o ponto de vista das necessidades de uma viagem de bicicleta.
Todo o processo, desde a ideia até ao dia da partida, foi uma aventura em si. Se vamos de bicicleta ou não. Se os alforges são assim ou assado. Se tentamos o couchsurfing ou não. Qual a rota? Foram decisões atrás de decisões, sempre com dúvidas e sempre com a boa ansiedade associada à descoberta. O fascínio de olhar para objetos e situações normais, sobre o ponto de vista das necessidades de uma viagem de bicicleta.
Mas se uma viagem não começa no dia da partida, dificilmente acaba no dia da chegada. Longe disso.
É difícil recordar um dia que seja, deste ano que passou, em que a experiência que vivemos nos 500 dias anteriores, não influenciasse ou nos viesse à memória. Logo ao início, ainda frescos das experiências, tudo nos alienava e todas as ações "normais" nos eram estranhas. Foi só no fim do Verão, quando o reboliço de visitas cá em casa começou a amainar, que nós começamos a amainar também e a viagem começou a ganhar contornos de sonho distante. Mas, vamos por partes....
Algumas semanas após o regresso, fixámo-nos em Tavira, na antiga casa da avó Teresa. A casa, por habitar há alguns anos, estava a precisar, no mínimo, de uma arrumo e limpeza geral, em todos os recantos. De mangas arregaçadas, fizemos uma triagem rigorosa a tudo o que se encontrava na casa. Móveis, loiças, eletrodomésticos vintage, bibelôts do tempo da Angola colonial, ferramentas dos tetrâ-avós da Corte do Pinto...
Todos os dias, durante semanas, a decidir o que se podia aproveitar, o que se podia vender, o que se podia dar, o que se tinha que guardar. Uma trabalheira física e emocional. Ainda para mais, logo depois de termos terminado o inventário das nossas "coisas" espalhadas por aí. De um dia para o outro ficámos responsáveis pelas "coisas" acumuladas ao longo de pelo menos uma vida. A da avó Teresa.
Mas aos poucos, a casa foi ganhando forma e disposição. Aos poucos, as energias gastas na arrumação, começaram a ser substituídas pelo tempo em novos projetos e ideias que enchiam as nossas cabeças. Se é algo que não falta numa viagem de bicicleta é tempo para pensar. Tempo para criar novos sonhos e pensar na melhor forma de concretizá-los.
Começámos a recolher velhas paletes abandonadas na cidade e a desmontá-las, aproveitado as madeiras para alimentar a nossa imaginação. Usámos as ferramentas do tetra-avó para o efeito, provando que já não se fazem ferramentas como antigamente! Por agora, temos uma mesa "restaurada" com paletes, e uma dezena de projetos em papel na calha de lançamento.
Mas aos poucos, a casa foi ganhando forma e disposição. Aos poucos, as energias gastas na arrumação, começaram a ser substituídas pelo tempo em novos projetos e ideias que enchiam as nossas cabeças. Se é algo que não falta numa viagem de bicicleta é tempo para pensar. Tempo para criar novos sonhos e pensar na melhor forma de concretizá-los.
Começámos a recolher velhas paletes abandonadas na cidade e a desmontá-las, aproveitado as madeiras para alimentar a nossa imaginação. Usámos as ferramentas do tetra-avó para o efeito, provando que já não se fazem ferramentas como antigamente! Por agora, temos uma mesa "restaurada" com paletes, e uma dezena de projetos em papel na calha de lançamento.
A terra, as sementes e os vasos improvisados, foram enchendo a marquise e transbordando para as outras janelas da casa. Alfaces, pepinos, tomateiros, pimenteiros, salsa, coentros, girassol, salva, calendula, tomilho, feijão, manjericão, poejo, hortelãs, plantas carnudas. A ideia era criar um mini estufa de plantas comestíveis e encher a marquise de verde!
Com o tempo, a ideia ficou-se pelas alfaces atacadas por uma praga, por um único pepino, meia dúzia de pimentos e muitas pequenas moscas e mosquitos. Ainda tentámos vários remédios e mezinhas orgânicas, para salvar a horta cá de casa, mas com pouco sucesso.
Da marquise virada para Norte, mudámo-nos para um pequeno pedaço de terra a oito quilómetros de Tavira, no terreno dos pais do Lino, um amigalhaço nosso. Entre os três, lá tentamos que a horta vá para a frente, com favas e brócolos., guardadas por uma colmeia. Mas ainda estamos todos a aprender...
Fixados em Tavira, retomámos também as antigas amizades. Sempre que possível, fomos tentando partilhar o tempo com os amigos da tugalândia. Uns mais perto, outros mais longe. Ora íamos nós visita-los, ora vinham eles aos Algarves. Uns portugueses, outros não. Por vezes, até vinham de bem longe. André, Catarina e Mariana, os nossa razão para visitar a Inglaterra, passaram cá para uma almoçarada na marquise, e uma passeata pela cidade ao sabor de uma Primavera a aquecer.
A nossa família de Dueñas, também cá veio. Foi a nossa vez e lhes mostrar os cantos à casa e as iguarias cá da terra. Foi como se um pedaço da nossa viagem nos viesse visitar.
O Pablo, de Granada, partilhou a praia connosco durante a sua estadia em Santa Luzia. E durante estes encontros com "nuestros hermanos", recordámos como durante algum tempo, a língua portuguesa foi estranha para nós. Mas já não... Agora voltámos aos gagejos do espanhol, às distantes palavras italianas mal lembradas e ao inglês que por vezes sai mal, quando dantes saía tão facilmente.
A Christiane de Leipzig, e o seu amigo Christian, fizeram um esticanço de boleia, desde a Alemanha até Tavira, para aproveitar os últimos raios de sol do Verão e a tempo de ajudar a Ana com a maquilhagem e o nó da gravata do Alexandre, para o casamento da Fátima e do Joel. Dois anos depois de os visitarmos em Lagos, logo ao início da nossa demanda.
Amigos do tempo da escola do ciclo, a Sílvia e o Nuno, que vieram ter connosco passar uns dias de papo ao sol. Amigos da faculdade, a Sofia e o Gonçalo, que vieram partilhar a pequena Jasmim que estava a crescer na barriga da mãe.
E durante tudo isto, enquanto o Alexandre tele-trabalhava para a antiga empresa sediada em Lisboa, a Ana tentava a sua sorte com os jardins de infância do Sul (ou qualquer outro que lhe desse trabalho, em qualquer lado!), e com biscates de época balnear algarvio. Foi já no fim do ano, quando a coisa parecia cada vez mais negra, que lá apareceu uma sala cheia de meninos e meninas a precisar de educadora. Agora, todos os dias, a Ana vai de bicicleta para o trabalho, nos arredores de Tavira. O Alexandre também vai dando uso à bicicleta. Mas mais nos afazeres da urbe. Em vez de alforges com roupa térmica, estacas de tenda e sacos cama, enche-os com batatas, couves, laranjas e tremoços. E de vez em quando lá vem um saco de peixe fresco pendurado no guiador, ou umas conquilhas no cantil. Se dantes não faziam parte da nossa vida, agora é impensável viver sem elas. As bicicletas...
Correm estradas e caminhos, e continuam a partilhar e encher a nossa vida. Mas de vez em quando, lá foram aparecendo outras biclas cá em casa...
Correm estradas e caminhos, e continuam a partilhar e encher a nossa vida. Mas de vez em quando, lá foram aparecendo outras biclas cá em casa...
Pouco depois de já nos termos mudado para a casa do bairro da Atalaia, eis que o primeiro viajante a pedal nos apareceu. Amigo de um amigo, que por sua vez tem uma amiga de quem nós somos amigos! Confuso?! O Bruno de Portimão tirou uns dias de férias e foi ver até onde conseguia chegar com a bicicleta. Jantou connosco, fomos ao cinema e por cá pernoitou. Poucos dias depois de partir, já tinha chegado a Espanha, com uma mão cheia de histórias para contar.
Umas semanas mais tarde, nos desvios normais de uma consulta às páginas da web, descobrimos um casal de viajantes de bicicleta prestes a iniciar a sua viagem desde o Cabo da Roca até aos ao Oceano Pacifico. Sedentos de devolver a generosidade que encontrámos por essa estrada fora, convidámos a Amie e o Olli a passar por Tavira e descansarem um pouco. Calhou bem, porque eles estavam em plena campanha de marketing do seu projeto digital. Por cá ficaram uma semana, a trabalhar na biblioteca, a descansar as pernas e a refazer joelhos doridos, a partilhar histórias à mesa. Nós enchemo-lhes a barriga com sabores e recantos de Tavira sempre que podíamos. Foi a primeira vez, desde que chegámos, que pudemos conversar com alguém sobre este interesse comum. Poucos dias depois da partida deles, a nossa história foi parar ao seu blogue... (link). Continuamos a acompanhar e a viajar com eles. O mundo que deixámos para trás continua a mostrar-se generoso e cheio de surpresas...
Umas semanas mais tarde, nos desvios normais de uma consulta às páginas da web, descobrimos um casal de viajantes de bicicleta prestes a iniciar a sua viagem desde o Cabo da Roca até aos ao Oceano Pacifico. Sedentos de devolver a generosidade que encontrámos por essa estrada fora, convidámos a Amie e o Olli a passar por Tavira e descansarem um pouco. Calhou bem, porque eles estavam em plena campanha de marketing do seu projeto digital. Por cá ficaram uma semana, a trabalhar na biblioteca, a descansar as pernas e a refazer joelhos doridos, a partilhar histórias à mesa. Nós enchemo-lhes a barriga com sabores e recantos de Tavira sempre que podíamos. Foi a primeira vez, desde que chegámos, que pudemos conversar com alguém sobre este interesse comum. Poucos dias depois da partida deles, a nossa história foi parar ao seu blogue... (link). Continuamos a acompanhar e a viajar com eles. O mundo que deixámos para trás continua a mostrar-se generoso e cheio de surpresas...
As ideias de continuar a fazer algumas pedaladas de fim-de-semana com campismo selvagem à mistura, ficaram-se pelas ideias...
Apenas uma vez nos últimos 365 dias é que a nossa casa amarela voltou a ser montada sob uma oliveira. O Lino, veio ter connosco, para nos pedir dicas e sugestões para a sua ideia de pedalar até Santiago de Compostela, seguindo o quase obscuro Caminho do Leste Português, que começa em Tavira. Nós, cheios de entusiasmo, não deixámos que o dele esmorecesse e armado com as nossas teorias e os nossos alforges, lá fomos nós com ele no primeiro dia da sua viagem para Santiago, de bicicleta. Tentámos passar-lhe as nossas estratégias. Como se desenrascar com as refeições pelo caminho, quais os melhores spots para campismo selvagem, como couchsurfar a partir de um iPad! Safou-se bem e foi com orgulho que seguimos as suas aventuras pelo Facebook até chegar a Santiago, duas semanas mais tarde. Força Lino! Marrocos espera por ti!
Mas foi à pouco tempo, já em pleno Outono, que a vida nos presenteou com uma inesperada surpresa.
Esta coisa de viajar de bicicleta, acaba por criar, tal como tudo talvez, uma sub-cultura de aficionados sobre o tema. Se há uns anos atrás, procuraríamos informação sobre o tema em livros, hoje em dia com a Internet, tudo é mais acessível. Em pouco tempo, alguns nomes acabam por repetir-se. Alguns links acabam por ir dar ao mesmo sitio, e algumas viagens acabam por ser acompanhadas por várias pessoas em várias partes do mundo, ligadas por fios muito ténues.
Alguns meses depois de termos acabado a nossa viagem, o Peter Gostelow acabou a sua aventura africana de quase 3 anos. Na altura, ficámos com a ideia que a próxima aventura do Peter, seria escrever um livro. Nunca pensámos que Tavira faria parte desse processo!
Durante semanas ouvimos o Peter a contar histórias e desventuras dos últimos dez anos da sua vida. Contos de terras e costumes estranhos misturam-se com os nossos ensinamentos na bela arte de apanhar conquilhas ou como assar chouriços em álcool. Corridas pela manhã nas salinas ou subidas de bicla à Serra do Caldeirão, acabavam em petiscadas, almoçaradas e jantaradas que se prolongavam pela noite fora a discutir os prós e os contras do campismo selvagem urbano, dos subornos aos policias africanos, das diferenças de viajar a solo ou a dois, ou o que fazer quando um alforge rebola por uma ribanceira abaixo, no Paquistão. O Peter é fixe e já temos saudades dele!
E nós? E agora? Tal como dissemos no início, é difícil não pensar na viagem que fizemos ou no que deverá vir a seguir nas nossas vidas. As lembranças vão-se esfumando, mas há coisas que ficam...como nos repetia o Santi no Caminho de Santiago "o Caminho vai dar-te coisas até ao fim da vida". Muitos nos perguntaram se vamos fazer outra viagem. Para onde vamos a seguir. Estamos a descobrir. Quando soubermos mais dizemos. Um dia de cada vez, de sonho em sonho.
Quer seja na bicicleta onde nos montamos todos os dias, ou nas chuvadas que apanhamos a ir para o trabalho...
Na tenda que é montada na marquise para matar saudades, ou no saco-cama que é aberto quando visitamos a capital...
Nos desenhos de henna, que nos lembram de outras paragens, ou nas receitas sicilianas que ficaram a fazer parte da nossa ementa cá de casa.
Nos emails que trocámos com a Reyn ou nas fotos que espalhámos em molduras ou em screensavers...
É difícil matar saudades da estrada. Resistir à tentação de fazer outra "loucura", deixando para trás esta outra "loucura" rotineira. Digam o que disserem, viajar de bicicleta é fácil. Ter uma vida sedentária, sim é difícil! Conseguir olhar para os dias e semanas a passar tão rápido e tentar encontrar sinais de que estamos a evoluir e seguir em frente, é difícil!
Seriamos tontos em pensar que mais tarde ou mais cedo, não voltaremos a soltar amarras e partir à aventura. Até já temos alguns destinos em vista! A não ser que o mundo acabe daqui a dois dias, ou que a vida nos pregue uma partida, é mais do que certo que, talvez para o ano, daqui a dez anos ou com sessentas e muitos aniversários soprados. Sozinhos ou acompanhados...
Um dia, voltaremos a essa vida de nómada. Um dia voltaremos a ser Nomadiclas!
...há um ano atrás: Mértola - Tavira